Crítica
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Sinopse
Um brasileiro e seus amigos perambulam pelas ruas da cidade de São Francisco, nos Estados Unidos, a fim de encontrar uma antiga paquera norte-americana.
Crítica
É curioso perceber que nenhum dos batismos – o original em inglês ou o traduzido para português – desse longa dirigido por um brasileiro residente nos Estados Unidos parece ser muito acurado. Pra começo de conversa, Bathroom Stalls & Parking Lots, como fica evidente, uso os termos no plural, sendo que ao longo da trama o protagonista vai apenas a um estacionamento, e somente um box de banheiro chega a ser visitado (e não por ele, mas por um amigo). Já na versão nacional, é de se perguntar o que é que eles pretendiam fazer Nos Becos de São Francisco, pois até estão na citada cidade norte-americana, mas passando por lugares bem iluminados, aliás – quer dizer, um deles até se posiciona numa esquina para espiar um casal em uma rua mais escura, que poderia ser chamada de beco... mas novamente, no singular, pois não há mais de um. E se essa falta de compromisso se revela desde o princípio, como em algo tão emblemático quanto o próprio nome, não seria de se imaginar como foi o tratamento com todos os demais elementos aqui presentes? Um spoiler? Segue o mesmo nível.
Produzido, dirigido, escrito e estrelado por Thales Corrêa, Nos Becos de São Francisco acompanha a ida de um rapaz (Corrêa) de Los Angeles, onde mora, até Frisco. A desculpa oficial é a vontade de visitar seu melhor amigo, Donnie (Izzy Palazzini, co-autor do roteiro). Mas, na verdade, o que ele quer é reencontrar um cara com quem já saiu algumas vezes, mas nunca conseguiu ir além do sexo casual – ele acredita estar pronto para dar um próximo passo na relação dos dois, se é que essa existe. Aquele que o recebe, no entanto, está pronto para a festa: de top e peruca, quer dançar a noite toda, beber e fumar (e cheirar) tudo que lhe for oferecido e, se possível, transar com um desconhecido qualquer que no dia seguinte fará esforço algum para lembrar do nome. Completando o trio, se junta aos dois Hunter (Oscar Manski, de If You’re Gone, 2019), um rapaz que se diz heterossexual – ele, inclusive, tem namorada, e há uma cena de sexo com ela para isso fique bem claro – mas que, na busca por um agito noturno, declara não se importar com a orientação sexual dos companheiros.
Pois bem, acontece que nenhum destes três tipos é algo além do que acima foi descrito: são estereótipos, portanto, e não personagens críveis, passíveis de identificação. Leo, o protagonista, é carente até não poder mais, daquele tipo que está sempre choramingando pelos cantos, achando que tudo e todos estão contra ele, o eterno vítima das situações. É alguém que é convidado para uma orgia, mas quando chega no local, quer romance com um único escolhido, recusando-se até a ser tocado por qualquer outro. Além disso, é também pudico no seu comportamento quanto ao uso de drogas recreativas: enquanto todos – literalmente, todos – à sua volta usam e abusam de qualquer substância ao alcance deles, ele faz questão de se manter sempre lúcido, não apenas rechaçando, mas também recriminando a postura dos colegas. É um cara egoísta, que tem na ponta da língua o que dizer sobre o comportamento dos outros, mas nunca sabe o que fazer quanto às suas dúvidas. Como aguentar uma noite inteira ao seu lado parece ser o verdadeiro mistério dessa história.
Para completar, Donnie só quer saber de sexo – não importa onde, nem como, nem com quem, nem quando, muito menos quantas vezes – enquanto que Hunter é um viciado que parece não se importar com ninguém, desde que a dose certa lhe seja servida. Esse segundo, por exemplo, é tão descartável que lá pelas tantas simplesmente desaparece, sem maiores explicações. Aliás, esse efeito se torna recorrente, como o brasileiro saradão que ficou com o carro preso num estacionamento pago (um episódio gratuito dentro do contexto maior, evidentemente inserido apenas para justificar o título), que se demonstra entusiasmado com os problemas dos recém-conhecidos até decidir deixá-los de lado, ou o amigo que, literalmente, surge do nada, no meio da rua, para salvar Leo quando seu telefone fica sem bateria. E, assim como veio, também logo vai embora, sem grandes despedidas.
Há, em Nos Becos de São Francisco, uma vontade de estabelecer um olhar crítico sobre uma situação recorrente no universo LGBTQ+: o quanto os relacionamentos atuais são descartáveis. O problema é que, com figuras tão rasas em cena, fica quase impossível não apenas compreender, mas justificar as escolhas tomadas em cena, pois, de tão desprovidas de lógica que são, parecem ser opções mais cômicas do que dramáticas – o que também acaba não funcionando, pois há pouco humor convincente. Outros vieses, como o culto ao corpo jovem – como a visita à festa da cueca, em que os presentes são quase todos da terceira idade – ou a situação de estrangeiros nos Estados Unidos, são apenas tangenciados, sem nunca oferecerem o aprofundamento necessário para uma decente reflexão a respeito. Talvez Thales Corrêa precisasse falar de um assunto que lhe permitisse um maior distanciamento, livre de uma visão comprometida, como a que aqui se percebe. Do jeito que se apresenta, olha apenas para o próprio umbigo, e esse parece ser o único a se interessar pelo que tem a dizer.
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