Crítica
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Sinopse
Rômulo, além de ser um marinheiro, pode ser chamado de desbravador. Navegando por caminhos desconhecidos na imensidão do mar, segue tendo como trabalho deslocar uma montanha de um país a outro, entre o Brasil e a China. Na trajetória pelo oceano, conhece viajantes, faz novas memórias, ouve diferentes línguas e experimenta novos encontros.
Crítica
O prólogo de Navios de Terra mescla parábola e fatos. A narração conta uma história – cuja moral é o alerta de povos sábios a respeito do perigo de revolver a terra em busca de riquezas subterrâneas – sendo ilustrada por vislumbres de áreas de extrativismo, mais próximas visualmente de cenários de ficção científica. Logo após tal preâmbulo, que antecipa sinteticamente o ideário imagético do longa-metragem, há o deslocamento da trama a um navio cargueiro, onde o protagonista inominado, interpretado por Romulo Braga, ouve contos ancestrais de um companheiro japonês (Shima), falados na língua nipônica. Esse descolamento da estrita realidade é o mecanismo por meio do qual a cineasta Simone Cortezão costura as esferas literal e simbólica, imbricadas com efeitos tão poéticos quanto contundentes. Lendas acerca de montanhas, que dão conta da ganância humana no plano alegórico, são sucedidas por matérias jornalísticas sobre a tragédia de Mariana, o maior desastre ambiental do Brasil, veiculadas na televisão da embarcação.
Navios de Terra possui representações de beleza impressionante. Mais que necessariamente buscar um efeito meramente estético, a realizadora pretende conferir às paisagens caraterísticas e significados a priori insuspeitos. Dessa maneira, o mar bravio representa um universo vasto, pelo qual a embarcação transita encarregada de oferecer novos destinos aos desbravadores. Aliás, Cortezão filma o cotidiano no gigante de metal em curso como se observasse cosmonautas encerrados em naves espaciais. A aproximação é evidente no registro de equipamentos de navegação, mas, sobretudo, na interação entre o protagonista e o colega oriental, semelhante em tom às equivalentes dos filmes transcorridos depois da atmosfera terrestre. É fértil essa variedade de signos e intenções mais ou menos manifestadas, do que decorre a sensação de acompanharmos realmente algo no limiar entre as demandas da contemporaneidade e a sabedoria dos povos milenares, estes representados pelo chinês.
Outro dado que enriquece bastante o percurso caudaloso é a absorção pontual de boas doses de veracidade. O protagonista conversa com dois marinheiros experientes, assim borrando as fronteiras entre ficção e documentário, instaurando, ainda que rapidamente, um hibridismo instigante. Um dos velhos lobos do mar relata um episódio extremo de ataque pirata na costa africana. O outro traz à tona a morte violenta de um conhecido que não teve possibilidade de salvamento após cair, ferido, no mar bravio. Navios de Terra requenta alguns procedimentos, incorrendo em repetições ocasionais que travam a ascensão da narrativa rumo à excelência. A insistência em diálogos mais mecanizados é um deles. Embora Romulo Braga seja evidentemente uma presença forte, falta-lhe um pouco de dinamismo na conversa com os trabalhadores reais do navio. Já sua comunicação específica com o personagem vivido por Shima é propositalmente empostada, pois servidora da imprescindível dinâmica metafórica.
Ponta de lança das qualidades do filme, a fotografia a cargo de Matheus Antunes é o que acaba segurando nossa atenção quando o protagonista desembarca na China. Suas andanças pelo país estrangeiro não oferecem complementos e ou amplificadores ao já visto. Romulo se alimenta, estabelece vínculos físicos e de amizade passageiros, até que sua trajetória seja direcionada ao lugar das lendas, a montanha envolta numa névoa espessa. As belíssimas imagens nos devolvem a esse local que transpira ancestralidade, enquanto acompanhamos a dura escalada do homem rumo ao topo. Espécime raro na cinematografia brasileira, Navio de Terra requer, além de concentração do espectador, adesão aos artifícios líricos que visam expor a cobiça humana, o vilipêndio da natureza que nos provê já tanto. O hibridismo é a forma encontrada por Simone Cortezão para, mesmo reverente às fábulas, não perder de vista a urgência de necessidades atuais, cuja satisfação pode estar na sapiência de outrora.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
---|---|
Marcelo Müller | 8 |
Francisco Carbone | 7 |
MÉDIA | 7.5 |
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