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Sinopse

Um rapaz aventureiro e três amigos decidem viajar para a Floresta Amazônica a fim de explorar seu habitat. Lá, contratam os serviços de um guia misterioso que vai ajudá-los em uma das mais assustadores jornadas de suas vidas.

Crítica

Do trio de protagonistas da saga Harry Potter, é provável que Daniel Radcliffe – justamente ele, o Harry Potter em pessoa, ou seja, aquele com maior potencial de ficar marcado por um personagem tão icônico – seja quem esteja construindo a filmografia mais interessante após seus anos em Hogwarts. Afinal, se Rupert Grint se refugiou na televisão (no ano passado apareceu na série Servant, 2019, e seu último longa data de 2015) e Emma Watson preferiu desfrutar do confortável status de estrela hollywoodiana (como provam sucessos como A Bela e a Fera, 2017, e Adoráveis Mulheres, 2019, nos quais dá vida à figuras que nada mais são do que variações de um mesmo tema), Radcliffe é o que mais riscos tem assumido, indo de títulos de horror (A Mulher de Preto, 2012) à comédias românticas (Será Que?, 2013), de cinebiografias (Versos de um Crime, 2013) à thrillers policiais (Imperium: Resistência sem Líder, 2016). E no meio disso surge esse Na Selva, que parte de um episódio real para investir num comprometimento artístico no qual o ator tenta não apenas evidenciar seu amadurecimento profissional, mas também sua visão de cinema como algo além do mero entretenimento.

O filme de Greg McLean (Viagem ao Inferno, 2005) é baseado no livro Jungle, de Yossi Ghinsberg, e narra a história real desse mochileiro israelense, vivido com garra por Radcliffe, que, durante uma viagem pela América do Sul, acaba se perdendo durante três semanas na floresta boliviana. Quando já havia sido dado como morto pelas autoridades e até pelos amigos com quem havia embarcado nessa aventura, eis que o encontram na última tentativa de resgate. Como conseguiu sobreviver durante todo esse tempo em condições tão adversas segue sendo o maior mistério, um enigma que talvez nem ele próprio sabia como responder. A questão é que se livrou dessa, e segue vivo até hoje para contar a quem quiser ouvir sua trajetória. Um rapaz de boa família, que sempre teve as melhores condições, e mesmo sua vontade de tirar um ano sabático e viajar pelo mundo estava longe de ser extraordinária, uma vez que tal movimento é algo que muitos empreendem regularmente. O que o fez único, no entanto, foi o acaso, aliado a uma rara persistência em se manter vivo.

Ghinsberg tinha em mãos os mais diversos elementos para se construir uma narrativa repleta de recursos óbvios. Viajando sozinho, acreditava em qualquer um que lhe surgia com um sorriso no rosto, apelando sempre para o “lado bom” das pessoas. Investia em qualquer ideia mais maluca que lhe era apresentada. Nunca desconfiava de ninguém. E tudo o que parecia querer era ir o mais distante possível daquele universo no qual fora criado, como um rapaz de classe média que teve a vida traçada pelos pais, aqueles mesmos que sempre lhe deram de tudo de bom e do melhor durante toda a sua criação. Quando anuncia que irá adiar a entrada na faculdade para viajar pelo mundo, o pai avisa ameaçadoramente: “não irá a lugar nenhum com dinheiro meu!”. O filme trata isso, no entanto, apenas como uma alegoria vista em flashback. Não se sabe como ele lidou com as consequências de abandonar o ninho familiar e conseguiu cruzar tantas fronteiras contando apenas com a sua boa vontade. E esse é o maior problema de Na Selva: tudo é colocado no crédito da “boa sorte” do rapaz.

Sim, pois no alto do lago Titicaca, conhece o professor Marcus (Joel Jackson), e este o apresenta ao melhor amigo, Kevin (Alex Russell, de Poder Sem Limites, 2012). Os três se tornam inseparáveis, e quando o protagonista decide ir atrás de Karl, um trilheiro alemão (Thomas Kretschmann) de lábia afiada, o trio parte para a aventura em busca de ‘rios de ouro’ e ‘tribos indígenas nunca antes vistas pelo homem’. Seria de se esperar que o cara que os leva nesse conto do vigário fosse um picareta, ou visasse aplicar um golpe nos forasteiros. Pois não é nada disso – ou ao menos a trama não chega a se aprofundar nessas motivações, que permaneceram obscuras. O que fica claro é que estavam despreparados para a missão a qual se propuseram. Tanto é que, lá pelas tantas, acabam se separando, pois percebem que não conseguirão ir adiante em suas intenções: dois decidem voltar a pé, e outros dois seguem pelo rio. Só que a balsa mal engendrada não dura muito tempo, e quando tudo se desfaz, Kevin e Yossi se veem separados por um rio de forte correnteza. O primeiro encontra abrigo imediato. Já o segundo, terá que sobreviver por si só, mesmo diante das piores condições.

Se por um lado é interessante perceber como Greg McLean e o roteirista Justin Monjo evitam clichês óbvios e permanecem atentos aos episódios da história real de Ghinsberg, por outro falta ao filme aquele algo a mais que justifique sua própria existência. Na Selva não deixa de ser um relato de superação do homem contra a natureza, mas não há nele um exemplo a ser seguido ou lição a ser aprendida. Tudo o que o protagonista fez foi resistir e aceitar que o acaso, em mais de uma ocasião, lhe foi extremamente favorável. Durante as três semanas em que esteve perdido, nenhuma onça o atacou, nenhum inseto ou vegetação lhe provocou alguma doença fatal, nem chegou a se alimentar de algo venenoso. Tudo que fez foi confiar em seus instintos e agradecer aos céus por ter conseguido sair vivo dessa canoa furada. E ainda ganhou uma experiência que acabou transformando sua própria existência, tanto que escreveu o livro no qual esse filme se baseia e, hoje, fez fama e fortuna como palestrante motivacional relatando o que lhe aconteceu. No final das contas, o lucro foi todo dele. E que ninguém pense que, se repetir os mesmos passos, encontrará um destino similar, pois o que lhe aconteceu, de fato, ocorre apenas um e um milhão.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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