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Sinopse

Aos 20 anos de idade, Júnior recebe a notícia de que será pai. Angustiado pela falta de um referencial paterno, ele embarca numa jornada com sua Mainha superprotetora rumo ao interior da Bahia em busca do pai desconhecido.

Crítica

Os cineastas Ary Rosa e Glenda Nicácio chamaram a atenção da comunidade cinematográfica brasileira com o seu longa-metragem de estreia, o elogiado Café com Canela (2017). Embora não tenha sido unanimidade após a sua première no 50º Festival de Brasília, o filme inaugurou uma trajetória que, ao menos, tem aumentado a visibilidade da região do Recôncavo Baiano nas telonas. Outros trabalhos vieram e chega agora aos cinemas a mais nova criação dessa dupla que continua fiel às suas origens geográfico-emocionais. Na Rédea Curta é a adaptação da websérie homônima criada por Sulivã Bispo e Thiago Almasy, que depois teve como derivado uma peça de teatro. De cara, é praticamente incontornável o paralelo com o igualmente multiplataforma Minha Mãe é uma Peça, menos por esse desdobramento em vários meios, mais pelo protagonismo da mãe tão espalhafatosa quanto carismática interpretada por um homem. Ao menos aparentemente, os criadores dessa versão cinematográfica não fogem do paralelo, pelo contrário, pois encerram a produção com a citação de uma frase do próprio Paulo Gustavo, humorista que viveu a inconfundível Dona Hermínia nas telonas, nos palcos e nas telinhas. Aqui o assunto é a busca por um referencial paterno. Júnior (Almasy) vai ser pai e coloca a sua Mainha (Bispo) na parede para finalmente saber quem a engravidou no passado. Aí começa o furdunço.

É bom salientar desde o princípio: Ary Rosa e Glenda Nicácio optam por uma encenação que contém propositalmente elementos artificiais. Dentro de uma teatralidade que afasta a ideia do naturalismo, temos a breve perambulação por Salvador num ônibus evidentemente parado – a paisagem observada pela janela claramente é fruto de uma projeção em chroma key – e algumas transições que quebram repentinamente a fluidez da história. Às vezes é difícil saber exatamente onde começa a intenção e onde termina a desatenção. Com ajustes finos, o filme soaria menos involuntariamente precário em certos sentidos. Por exemplo, em toda a trajetória dos protagonistas pela cidade de Cachoeira, mudanças abruptas de rota e conveniências seriam menos incômodas com pequenas regulagens de tom, sem tantas gratuidades servindo para Mainha fazer solos. Aliás, é algo que acontece também nas versões cinematográficas de Minha Mãe é uma Peça, cujas tramas são menos memoráveis do que os chiliques e os bordões da personagem vivida por Paulo Gustavo. Sulivã Bispo deita e rola como a mãe dramática que fala alto, sempre disposta a entrar num conflito com a vizinha fofoqueira ou mesmo com uma passageira aleatória ao seu lado numa viagem de ônibus. A personagem se torna maior do que o filme. E isso pode ser creditado ao roteiro assinado a 12 mãos feito de sucessivas esquetes.

O enredo mostra o imaturo Júnior se deslocando da capital ao interior para conhecer o pai ao descobrir que sua namorada está grávida. Segundo ele, é preciso saber quem é o homem que vai lhe ensinar como assumir uma postura paterna. E fica bem claro desde o início que o clímax, por mais feliz ou infeliz que seja nesse sentido de localizar o pai, culminará com uma mensagem menos tradicional sobre esse lugar simbólico. Portanto, no que diz respeito ao discurso, ponto para Na Rédea Curta, pois com bom humor ele defende a ideia de que paternidade/maternidade são conceitos nem sempre atrelados, respectivamente, a um homem e uma mulher. Com tantas mães solo no Brasil cuidando de crianças vítimas de abandono paterno, é importante que as obras audiovisuais, ainda mais aquelas que se dirigem ao grande público, ajudem às suas maneiras a reconfigurar os imaginários sobre isso. No entanto, cinematograficamente falando, o longa-metragem é excessivamente refém do carisma e do desempenho do elenco que encarna figuras cartunescas com as quais facilmente nos identificamos. O filme cresce principalmente quando Sulivã Bispo toma à frente. A sua estressada Mainha é a típica matriarca endurecida por uma vivência repleta de percalços que cria uma casca protetora para continuar sobressaindo num mundo que sempre lhe impôs muitos obstáculos. Espelha uma dura e frequente realidade.

Na Rédea Curta exibe problemas semelhantes aos identificados nos trabalhos anteriores de Ary Rosa e Glenda Nicácio. A despeito do frescor da direção que valoriza os protocolos da vivência popular – não tentando forjar essa noção de popular dentro de uma cosmovisão da classe média residente nos centros urbanos mais privilegiados –, o longa-metragem ainda se ressente da ausência de consistência/densidade cinematográfica. Um dos indícios disso é a zona cinzenta entre a elaboração propositiva e a falta de criatividade na utilização dos artifícios. Obvio que Ary e Glenda não querem esconder as precariedades impostas por restrições de produção, mas tampouco transformam esses ruídos em potência, em atributo de uma linguagem que confira valores às suas dificuldades. Outro ponto fraco da abordagem é a forma pouco intensa como as andanças de Mainha e Junior revelam um entorno fascinante. A intenção está lá, com mãe e filho encontrando toda sorte de gente, seja em Cachoeira ou em Salvador, transitando por locais específicos e deflagrando geografias culturais únicas. Nesse quesito, o problema reside na indecisão entre ser universal e específico. Os dilemas humanos podem ser identificados facilmente, pois dizem respeito a dinâmicas mais ou menos universais, mas os diretores não enfatizam a singularidade do cenário à jornada frágil de descoberta das paternidades maternas.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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