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Sinopse

Ximena sempre escondeu do mundo o seu analfabetismo. Isso até que a professora primária Jackeline tenta convencer ela a ter aulas de literatura. Mas, uma carta escrita há muitos anos pode ser a peça que faltava.

Crítica

Uma vida inteira sem saber o que a frase que escrevo agora significa; sem suspeitar que letras são mais do que sinais gráficos. Esta é a história de Ximena, protagonista a quem somos apresentados em uma cena inesperada. Ao constatar que a igreja que frequenta está fechada, se depara com um bilhete. Vemos-na encarar as letras como quem força o olhar para um desconhecido. Um tanto envergonhada, pede ajuda para um passante, pois "esqueci os óculos em casa", diz. A desculpa convence.

A combinação da surpresa provocada pela cena anterior com a criatividade da personagem ao evitar o constrangimento impõe uma fórmula que explica a importância do tema, curiosamente pouco explorado no cinema. De pronto, a memória deve lembrar de O Leitor (2008), em que Kate Winslet interpreta uma mulher mais velha, analfabeta, que se envolve com um garoto, o seu leitor. Pouco antes, porém, o tema esteve também em Mulheres Diabólicas (1995), de Claude Chabrol, adaptação do romance da inglesa Ruth Rendell. No cinema nacional, Fernanda Montenegro escreve e lê cartas, em Central do Brasil (1998). Inusitado, porém, é nos depararmos com o analfabetismo justo em um filme chileno. Longe de ser perfeito, o sistema educacional do país é à prova de questionamentos. É, pois, de uma sociedade altamente escolarizada que vem As Analfabetas, estreia de Moisés Sepúlveda na direção.

Por mais de 50 anos, Ximena necessitou dos outros para ler as correspondências e se atualizar. Arranjar uma desculpa, como fez na cena da igreja, não a torna mais esperta, apenas a impede de reconhecer a dependência alheia. É quando a jovem professora Jackeline se oferece para ser sua leitora que a situação muda. A diferença de idade não permite que a garota se limite a ler. Ela estudou para ensinar, "para mudar a sociedade", diz com o espírito da idade. Ela quer que Ximena aprenda. As posições diferentes - uma acomodada com o não saber, a outra impulsionada pelo ensinar - geram rusgas, misto de conflitos e ensinamentos. Ancorado sob as atuações de Paulina Garcia e Valentina Muhr, o filme tem no elenco reduzido a sabedoria do escolher com precisão. Ambas as atrizes são felizes ao dar a medida exata aos personagens. Os rompantes de Paulina, uma Ximena maltratada pelo desconhecimento, encaixam-se bem à disposição quase messiânica de Valentina para o ensinar. Em sintonia, as atrizes proporcionam pelo menos dois ótimos momentos: a discussão durante uma das lições e a comemoração após o aprendizado.

O roteiro, escrito pelo diretor e Pablo Paredes, consegue trazer o tema à tona de maneira muito inteligente, trabalhando com oposições e visões de mundo distintas. A direção de Sepúlveda, por sua vez, acerta inteiramente na escolha do tom. Ao trabalhar a narrativa com um ritmo leve e humorado, apresenta os momentos de limitação da mulher sem jamais depreciá-la. Muitas vezes, Ximena contorna a situação com outro tipo de conhecimento, pois este é tal qual a ignorância - presente em muitas formas. Ao respeitar o passado da personagem de Paulina, e não mostrá-la inferir a quem ensina, a direção consegue ser parcial de forma inteligente e cativante.

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é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação dos Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul, e da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Tem formação em Filosofia e em Letras, estudou cinema na Escola Técnica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Acumulou experiências ao trabalhar como produtor, roteirista e assistente de direção de curtas-metragens.
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CríticoNota
Willian Silveira
8
Robledo Milani
8
MÉDIA
8

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