Crítica

Assim como videogames, brinquedos nem sempre são as melhores fontes de inspiração para obras cinematográficas. Afinal, aquele boneco, quebra-cabeça ou, neste caso, carrinho em miniatura está ali apenas para servir a um mundo de fantasia imaginado pela criança, que o usa como ponto de partida para uma diversão existente, em grande parte, dentro dela própria. Transpor isso para a tela grande é uma tarefa tão difícil quanto, na grande maioria das vezes, infeliz. Tal como se percebe neste Monster Trucks, filme preocupado apenas em reciclar velhas fórmulas, evitando a todo custo apostar em algo minimamente ousado ou original.

Você já viu esse filme antes. Jovem rebelde, revoltado, abandonado ou mesmo solitário encontra companhia em algo – ou alguém – fora do comum, em cuja existência, num primeiro momento, ninguém poderia acreditar. Logo em seguida, o "estranho" une amigos e oponentes em uma missão maior, que tanto pode salvar a sua vida como também a de todos os envolvidos. O melhor e mais óbvio exemplo, aquele que, se não deu origem ao filão, ao menos é o mais bem-sucedido de todos, é o clássico pop E.T.: O Extraterrestre (1982), de Steven Spielberg. O diretor Chris Wedge, que até então só havia trabalhado em animações como A Era do Gelo (2002) e Reino Escondido (2013), estreia no formato live action com uma obra que pouco ou quase nada oferece de novo ao estilo, apostando no carisma escasso de um personagem – ora, vejam só! – animado por computador para tentar superar as carências de um elenco insípido e inexpressivo.

Lucas Till pode ter uma voz grossa e um porte másculo, mas o rosto não é mais do que o de um adolescente (ainda que já tenha quase 30 anos). Simpático como coadjuvante em X-Men: Primeira Classe (2011), suas tentativas de estrelar como protagonista em títulos como Lobos (2014) nunca chegaram a se equiparar às suas ambições. O mesmo se repete em Monster Trucks, em que aparece como um jovem abandonado pelo pai que vive com a mãe em uma pequena cidade do interior. Ele sonha com o dia em que poderá ir embora dali. Quando uma companhia petrolífera começa a escavar a região, no entanto, descobrem-se rios subterrâneos e incríveis criaturas que ali vivem, desconhecidas até hoje pela humanidade. Algumas são capturadas, mas uma delas consegue escapar, apenas para ir parar no ferro-velho onde Tripp (Till) trabalha nas horas vagas. A amizade entre ele e aquele estranho ser logo se dá, principalmente pelo fato dos dois compartilharem uma curiosa paixão: gasolina! Ele como combustível. Ela como alimento.

Os passos a partir desse ponto são exatamente aqueles que qualquer admirador de uma boa aventura já conhece de cor e salteado – e, por isso mesmo, irá identificar à distância o quão pouco inspirado é o resultado que aqui se apresenta. Rob Lowe assume mais um personagem unilateral, como o vilão que pretende passar por tudo e todos para alcançar o que almeja – e nem mesmo os incríveis animais recém-encontrados estão à salvo de sua ambição. É por isso que Tripp terá que contar com a ajuda da espertalhona de sua turma de escola – que, também, é claro, é apaixonada por ele – e de um cientista que não tarde demais decide fazer a coisa certa para não apenas salvar os novos amigos, mas também toda a cidade que, até pouco tempo, o protagonista tanto desprezava. Lição de moral e carros monstruosos? Que belo combo!

Enquanto atores de respeito como Danny Glover e Amy Ryan pouco – ou quase nada – têm a fazer em cena, resta ao quase-galã Lucas Till tentar segurar a atenção do público. Creech, um misto de baleia, polvo e golfinho, deveria ser o grande chamariz da produção, mas nem mesmo a criatura digital consegue se destacar diante de tantos clichês. Com pouca lógica e quase nenhuma sensibilidade para propor algo que fosse ao menos tão divertido quanto os brinquedos inanimados originais, Monster Trucks é não mais do que um tiro no pé dos envolvidos. Tanto que custou US$ 125 milhões e nem mesmo chegou a ganhar data de lançamento nos EUA, após sua estreia – inicialmente planejada para 29 de maio de 2015, ou seja, há dois anos! – ter sido alterada nada menos do que quatro vezes! Uma bobagem descartável e facilmente esquecível, tão desnecessária quanto caminhonetes com pneus gigantes – a ideia até pode até parecer interessante num primeiro momento, mas basta dela se aproximar para perceber de imediato o quão pouco prática e sem sentido de fato é.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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