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Sinopse

O nova-iorquinho Mathias está sem dinheiro e viaja para Paris para tentar vender um apartamento que ganhou de herança de seu pai. Lá, ele é surpreendido ao encontrar Mathilde, uma refinada senhora, e sua filha, vivendo no apartamento. Logo, ele descobre que, por conta de uma lei da França, não terá posse do imóvel até a morte da atual moradora.

Crítica

Maggie Smith, uma das atrizes inglesas mais respeitadas da atualidade, construiu quase toda a sua carreira interpretando variações de um mesmo tema: a senhora digníssima e de língua afiada que sempre tem as melhores respostas para cada ocasião. De California Suite (1978) – quando ganhou seu segundo Oscar interpretando uma atriz que, curiosamente, perdia o Oscar – até o aclamado seriado Downton Abbey (2010-2015), passando pela franquia Harry Potter, ela sempre foi uma presença que sabia capturar o olhar do espectador, ao mesmo tempo em que entregava diálogos brilhantes com extremo talento e competência. E ela mais uma vez assim aparece na simpática comédia dramática Minha Querida Dama, que apesar do título não a tem como protagonista – o centro da história está mais focado nas relações entre Kevin Kline (o senhorio) e Kristin Scott Thomas (a filha), ambos tendo como elo de ligação sua personagem. E se isso provoca uma certa decepção por vermos em cena menos Maggie Smith do que gostaríamos, ao menos proporciona uma inesperada e positiva surpresa.

Em Minha Bela Dama (1964), o clássico ao qual somos remetidos pela semelhança de ambos os títulos, a personagem de Audrey Hepburn tinha sua vida transformada ao ser acolhida por um milionário benfeitor vivido por Rex Harrison. Guardadas as devidas proporções e numa inversão de papéis, é o que acontece com Kline e Smith em Minha Querida Dama. Ele recebe de herança do pai, a quem não via há anos, uma antiga e valiosa residência em Paris. Desempregado e abandonado pela esposa, junta os últimos trocados e decide ir até lá para tomar posse do lugar, vendê-lo pela melhor oferta e, quem sabe, dar um novo rumo à sua vida com o capital levantado. O que não esperava, no entanto, era encontrar o apartamento habitado por uma senhora (Smith) e, ainda por cima, envolvidos em um sistema local que afirma que ela não só não pode ser despejada até o momento de sua morte, como também é ele quem deve pagar um aluguel mensal a ela.

Felizmente, as coisas não são tão simples quanto poderiam aparentar num primeiro olhar. Quem se foca apenas na sinopse poderia imaginar uma comédia de humor negro, ao estilo de Duplex (2003) ou A Guerra dos Roses (1989), em que um dos moradores tenta literalmente matar o outro para, enfim, tomar posse da habitação. O dramaturgo Israel Horovitz, roteirista de títulos como The Strawberry Statement (1970) – premiado em Cannes – e Sunshine: O Despertar de um Século (1999) – indicado como Melhor Filme no Globo de Ouro e premiado no European Film Awards – aqui estreando como realizador, é muito sutil para investir em algo grotesco. Além dos dois protagonistas, há ainda a filha dela, interpretada por Scott Thomas, uma mulher de atitudes práticas e ressentimentos calados. Aliás, esse tipo de emoção parece presente em todos os personagens.

Mas há três outros elementos tão importantes quanto o trio em cena: os pais de Kline e o marido de Smith (e pai de Thomas). Todos já falecidos, eles falam tão alto durante quase toda a ação que é praticamente impossível ignorá-los. Afinal, há um motivo para Kline ser um fracassado na vida, além de uma ulterior razão para seu pai tê-lo deixado apenas o imóvel que o obrigaria irremediavelmente a entrar em contato com Smith. O ator vencedor do Oscar por Um Peixe Chamado Wanda (1988) consegue criar um tipo sofrido, porém não ressentido por completo, sem o rancor amargo visto em Tempo de Recomeçar (2001), por exemplo. Ainda que tenha seus tropeços, consegue vislumbrar saídas para as encruzilhadas que enfrenta, e a dinâmica que estabelece com ambas atrizes é bastante crível. Elas, por sua vez, convencem bem juntas – são boas parceiras, como visto em Assassinato em Gosford Park (2001) – e, cada uma a seu momento, oferecem uma profundidade insuspeita ao trama que os une como conjunto.

Ainda que seja excessivamente teatral – afinal, são basicamente três personagens em um único cenário – o que já seria de se esperar uma vez que se trata de um texto de um autor mais acostumado a trabalhar com peças de teatro – Minha Querida Dama consegue se sobressair da vala comum de produções de gênero pelo talento dos seus atores e pela sensibilidade do diretor em abordar os sentimentos visitados e as consequências destes encontros. Descobertas do passado podem apontar novos caminhos para o futuro, mas será a forma como harmonizar essas revelações no presente que revela o verdadeiro caráter de uma pessoa, e isso esse pequeno filme – porém grande em calor humano – consegue ilustrar com muita convicção.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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MÉDIA
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