Crítica


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Sinopse

A vida em comum de Arco, Malik e Mustapha segue seu curso entre as brigas e o rap, o tédio e as interpelações. Os mais velhos, Djeff, J.M., Pete e Hamouda, se viram como podem, mesmo desempregados. Mas tudo muda durante uma festa hip-hop, na qual ocorre um tiroteio entre gangues rivais que acaba mudando o curso das coisas.

Crítica

Segundo longa do diretor Jean-François Richet, Meu Bairro Vai Rachar bebe em diversas fontes cinematográficas da primeira metade dos anos 1990 para retratar a vida da juventude nos subúrbios franceses, marcada por questões como os conflitos étnicos e de classes. A trama acompanha os moradores de um conjunto habitacional da periferia parisiense, dando foco particular aos acontecimentos paralelos do cotidiano de dois grupos de jovens, que incluem confrontos entre gangues, pequenos delitos, festas, divagações sobre presente e futuro, etc. Sem apresentações prévias, Richet joga o espectador em meio à ação, mais especificamente, uma briga de colégio, com o intuito de expor de imediato a violência como elemento enraizado na realidade dos personagens. Essa exposição vem por meio de um registro de tom documental, da imagem granulada à câmera na mão em constante movimento, algo que, somado à abordagem naturalista das atuações – com um elenco não profissional, incluindo o próprio diretor – remete, estética e narrativamente, a Kids (1995), de Larry Clark, que dois anos antes havia causado frisson no circuito de festivais.

As frustrações, as inquietações, a desesperança e a raiva adormecida que surgem nos diálogos naturalistas aparentemente banais evocam, de fato, o filme de Clark, especialmente no ato inicial. Por outro lado, a roupagem hip hop da narrativa, dialogando com a realidade das minorias, carrega fortes elementos do cinema negro norte-americano da época, como Os Donos da Rua (1991), de John Singleton, ou Perigo Para a Sociedade (1993), dos irmãos Albert e Allen Hughes, além dos filmes de Spike Lee. Mas é mesmo com outro título francês – que de certa forma também traz um pouco das mesmas referências – que o trabalho de Richet acaba gerando inevitáveis comparações: O Ódio (1995), que dois anos antes rendera o prêmio de direção no festival de Cannes a Mathieu Kassovitz. Entretanto, se as similaridades temáticas e de ambientação são evidentes, as obras acabam se distanciando em pontos fundamentais, desde a oposição na escolha da estetização das imagens até, e principalmente, a construção de personagens.

Enquanto Kassovitz toma seu trio de protagonistas como uma representação do todo, oferecendo um desenvolvimento individual de personagem que permita a conexão e identificação, Richet decide abraçar o coletivo apresentando uma gama volumosa de figuras que pouco se distinguem umas das outras. Sem se aprofundar ao menos em alguns dos indivíduos, estes resultam rasos e unidimensionais, gerando até mesmo dificuldades na identificação de nomes e de relações interpessoais. Da mesma forma, a construção da trama se mostra frágil, ancorada em uma série de acontecimentos – quase sempre baseados na dinâmica de ação e reação – que vão se acumulando até o confronto generalizado do clímax, funcionando melhor quando isolados do que na composição do conjunto – servindo por vezes como meros pretextos para que Richet exiba tiques visuais, como a câmera que circunda os personagens registrando diálogos paralelos.

Ainda que exista uma urgência genuína na condução de Richet, a mesma termina muitas vezes abafada por esses arroubos autorais, como o prólogo que traz a atriz Virginie Ledoyen em uma espécie de performance de vídeo-arte com armas em frente a projeções. Tal pulsação se perde assim como o peso do discurso sobre luta de classes, enfrentamento das forças opressoras do estado e das definições de um inimigo comum. Quando exposta nos diálogos, em raras oportunidades, essa incitação revolucionária surge desajeitada e por demais literal, artificial. Já na ação, termina encoberta pelo frenesi visual. Curiosamente, Richet seguiria por um caminho muito mais convencional, porém mais bem resolvido, em seus trabalhos posteriores, como em Assalto à 13ª Delegacia (2005), remake do clássico cult de John Carpenter que não desonra sua fonte e talvez seja até subestimado, ou nas duas partes da saga biográfica criminal Inimigo Público nº 1 (2008).

Em Meu Bairro Vai Rachar, contudo, sente-se claramente o ímpeto de um jovem realizador buscando experimentar sem ter ainda o domínio pleno sobre o que deseja transmitir. Ainda assim, essa energia se traduz em determinados momentos na tela, particularmente no ato derradeiro, que assume uma faceta videoclíptica de linguagem, incluindo nova, e mais pertinente, participação de Ledoyen, e tendo a trilha sonora de hip hop ditando o ritmo da montagem – nas sequências do tiroteio entre as gangues e do enfrentamento com o batalhão da polícia. Nas rimas dos rappers, o discurso social ganha a força e contundência almejadas por Richet. Porém, de modo geral, o longa se perde no deslumbramento com as próprias ideias, soando por vezes até pretensioso e não conseguindo obter o mesmo impacto de suas citadas referências.

 

Filme visto na 10ª edição do MyFrenchFilmFestival, em janeiro de 2020.

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é formado em Publicidade e Propaganda pelo Mackenzie – SP. Escreve sobre cinema no blog Olhares em Película (olharesempelicula.wordpress.com) e para o site Cult Cultura (cultcultura.com.br).
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