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Sinopse

A partir da descoberta de tijolos marcados com suásticas nazistas em uma fazenda no interior de São Paulo, o historiador Sidney Aguilar começa uma investigação que leva a um fato assustador: durante os anos 1930, cinquenta meninos negros foram levados de um orfanato no Rio de Janeiro para a fazenda onde os tijolos foram encontrados. Lá, passaram a ser identificados por números e foram submetidos ao trabalho escravo por uma família que fazia parte da elite política e econômica do país, e que não escondia sua simpatia pelo ideário nazista.

Crítica

Quando falamos de nazismo, parece longínquo, pois fenômeno oriundo da Europa. Talvez o maior dos méritos de Menino 23 seja o de mostrar que abaixo da linha do Equador os partidários de Hitler eram numerosos e inclementes. Ao filme, mais precisamente à tese do professor Sidney Aguilar na qual ele se baseia, tudo partiu da descoberta de tijolos com a suástica em relevo numa propriedade do interior do estado de São Paulo. Esse achado fortuito foi relacionado com registros que davam conta de uma estranha adoção em massa, responsável por retirar, ao mesmo tempo, mais de cinquenta meninos negros de um orfanato do Rio de Janeiro. A minúcia dos estudos levou ao descobrimento de uma testemunha viva desse episódio que expõe a muito mal explorada adesão de parte significativa do povo tupiniquim aos postulados do Terceiro Reich, ou mesmo às doutrinas totalitárias semelhantes, então comuns no Velho Mundo.

Aloíso Silva, esse já idoso, peça-chave ao quebra-cabeça montado com muita perspicácia e criatividade pelo diretor Belisario Franca, em princípio se recusa a acionar o recôndito da memória, mas cede ao ver o nome da mãe no livro de registros do educandário. São lembranças duras, de uma vida que começa e se desenvolve boa parte sem qualquer sinal evidente de afeto. Menino 23 volta ainda mais no tempo para falar sobre escravatura, tocando na complexa questão que permeia a abolição, ato importante, sem dúvida, mas que, uma vez não preocupado com a inserção social do negro, deixou os alforriados à própria sorte. A impressionante pesquisa se encarrega de contextualizar o Brasil das diversas épocas abordadas, mas, principalmente, o dos anos 1920 e 1930, no qual vicejavam pensamentos retrógrados, não raro alinhados fortemente como o fascismo europeu. Por assim dizer, é um “novo” país que o documentário nos traz, com informações ricas e uma linguagem dinâmica.

A narrativa é entrecortada por dramatizações muito bonitas plasticamente, num preto e branco estilizado, com a câmera geralmente lenta. É um recurso forte em alguns momentos, por estabelecer uma ponte audiovisual direta com o passado, projetando na tela as rememorações das testemunhas. Contudo, já em outros instantes soa como muleta desnecessária, pela redundância de apenas ilustrar, sem maiores efeitos dramáticos, o que os personagens tão bem já transmitiram oralmente. Menino 23 é mais pungente quando detido na investigação, no desnudamento de fragmentos vergonhosos da nossa história, sobretudo no que tange ao flerte com os postulados de extrema-direita, vide a ascensão do integralismo, movimento político com inequívocas inspirações nazistas, embora seus líderes rechaçassem a comparação, se autoproclamando uma alternativa aos alemães.

Menino 23 abarca, ainda, o complexo tema da eugenia, teoria que pregava a seleção genética com o intuito de “melhorar a raça humana”, mostrando que inclusive no Brasil esse absurdo chegou a ter atenções governamentais. Belisario Franca utiliza o caso específico dos meninos da fazenda Santa Albertina como núcleo de um estudo maior. Dos depoimentos do senhor Aloíso Silva, o tal menino 23 – já que, como o gado, eles eram numerados para facilitar a identificação pelos capatazes –, se parte às evidências de um Brasil preconceituoso, em que floresceram políticas racistas, não por acaso, mas por aqui existir, de fato, uma base para que tais sementes germinassem. Não fosse o gradativo deslumbramento pelos procedimentos próprios do docudrama, cujo emprego resvala ocasionalmente na gratuidade, e se o diretor tivesse confiado sobremaneira na capacidade expressiva da palavra, teríamos um grande filme. Mesmo assim, do jeito que se apresenta, é um documento instigante, amplo e bastante necessário.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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