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Sinopse

Sidney Magal é um artista daqueles que arregimentam multidões por onde passam. Aqui, são passados a limpo momentos importantes da vida e da obra desse sujeito que foi se tornando icônico aos poucos.

Crítica

A carreira artística de Sidney Magal é repleta de oscilações, marcada por reconfigurações propiciadas pelas mudanças das marés da música brasileira. De maneira equivalente, pode-se dizer que a trajetória caracterizada por sucessos estrondosos, instantes de ostracismo, reinvenções e a mutação do rótulo de brega numa imagem a ser cultuada é nutrida por uma intensidade passional enorme. Portanto, não deixa de ser curioso que a cineasta Joana Mariani tenha optado por um tom bem contido em Me Chama que Eu Vou, documentário biográfico que tem como mérito o poder de síntese. Diante do sujeito que insiste em dizer-se cindido em dois – de um lado a persona púbica, do outro o homem-família igualmente vaidoso, mas seguramente menos espalhafatoso – a realizadora se porta como ouvinte atenciosa. Ela parece muito mais preocupada exatamente em utilizar cada precioso excerto para criar um panorama numeroso, do que necessariamente disposta a mergulhos e aprofundamentos em tópicos assim apenas mencionados. Então, é a imagem geral que importa.

Há muitas coisas se desprendendo da soma de depoimentos, encenações e material de arquivo em Me Chama que Eu Vou. Magal é constantemente colocado em cena por meio de trechos de programas televisivos nos quais fez aparições. Luciano Huck, Marilia Gabriela, Faustão, Jô Soares, entre outros, surgem como sintomas da fama que fez o protagonista se tornar figurinha carimbada. Mas, surpreendentemente de modo comportado, Joana não investiga essa imagem pública tão em choque com a equivalente privada, preferindo costurar fatos cronologicamente sucessivos, tais como a infância sob a superproteção da mãe, o início da carreira e a ascensão após uma temporada de shows na Europa, antes que o sobrenome fosse abreviado e se tornasse marca registrada. A realizadora passa batido pela acusação de que o furacão capaz de arrastar multidões seria um produto fabricado por empresários conhecedores das métricas mercadológicas. Para ela basta que o próprio Sidney negue isso. Aliás, Joana em nenhum momento confronta as versões do artista.

As controvérsias inexistem em Me Chama que Eu Vou. A fragilidade não está, contudo, atrelada ao mero tangenciar de fofocas, polêmicas ou o que pudesse fazê-lo ir além do catálogo de lembranças alinhavadas de modo retilíneo. O problema é começar o fogo e correr para apagar. Se comparado ao comportamento do mar – espaço importante ao Magal refugiado com a família no litoral baiano –, o documentário poderia ser definido como semelhante a ondas mansas, daquelas que vêm e vão sem oferecer possibilidade de tensão, diante das quais nos resta aproveitar com prazer. Sim, pois Joana Mariani, a despeito da pouca disposição para criar rupturas, contestações, investigações ou algo que os valha, consegue mostrar uma imagem bonita do homem que assume abertamente pecados capitais e aparentemente tem consciência do que construiu artisticamente, colocando esposa e filhos à frente das vendagens ou das casas de shows lotadas. A serenidade do indivíduo que se derrama de amores pelos seus é fruto de um processo de amadurecimento nutrido por tantos episódios.

Como Joana não se coloca no filme, fica difícil saber se a aparagem de arestas é fruto da idolatria que afasta a criadora das possíveis perguntas que, uma vez formuladas, poderiam conferir outro tempero ao filme. Longe de entender a curiosidade sobre a sexualidade do artista que rebola como poucos e desse modo afronta as concepções retrógradas de um machismo vigente, a realizadora transforma a bisbilhotice alheia num dado pitoresco. Também distante de realmente entender se há uma divisão entre homem público e privado, ela se contenta em deixar Magal reiterar a cisão e, lá adiante, permitir ao filho que faça uma breve contestação, a defesa de uma unidade rechaçada pelo personagem. Me Chama que Eu Vou acaba sendo uma viagem prazerosa pela súmula da vida/obra de um artista singular, mas infelizmente atravessada pela prevalência do conformismo diante das ditas “versões oficiais”. Para além dos ímpetos questionadores, está a vontade de criar uma sinopse afetuosa que dê conta da figura sobrevivente aos modismos, inclusive porque soube utiliza-los.

Filme visto online no 48º Festival Internacional de Cinema de Gramado, em setembro de 2020

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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