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Sinopse

Roberto e Mitsuo são dois desconhecidos que, após uma série de coincidências, voltam para o Brasil no mesmo dia, depois de um longo tempo no exterior. Eles se encontram devido a um terreno que foi negociado por seus pais decádas atrás e decidem tentar ganhar dinheiro em cima do local. No entanto, entram em conflito quando começam a achar que o lote possui poderes mágicos.

Crítica

Praia Grande, cidade do litoral sul paulista, possui em sua bandeira a inscrição que dá título a esse filme: Mare Nostrum, que traduzido do latim significa Nosso Mar. Ainda que esse seja o nome dado pelos antigos romanos ao Mar Mediterrâneo, as ambições do diretor Ricardo Elias são mais locais – e menos geográficas. Afinal, se o mar é de todos, a terra é de quem toma posse, de quem a possui e tem isso registrado para a posteridade. De nada adianta a palavra, em casos assim. São necessárias provas, pois somente assim o que é dito se torna verdade. E ainda que as pretensões deste longa sejam, de fato, interessantes, sua realização é mais tímida, pois faz uso de uma discussão que teria tudo para ser universal, mas acaba se contentando em ser não mais do que um (des)encontro do destino.

João (Ailton Graça) e Nakano (Edson Kameda) se encontram em um dia de muita chuva. A intensão do primeiro é começar fazer um investimento, e a do segundo é levantar fundos para abrir seu negócio próprio. No meio da questão, um terreno à beira mar. Um está disposto a comprar, o outro precisa do dinheiro da venda. Um aperto de mãos é dado, dúvidas são esclarecidas e na troca de olhares se faz a confiança: os pagamentos serão dentro das condições do comprador, e quando a dívida estiver, enfim, quitada, será feita a transferência do documento de propriedade. Para ficar melhor, só precisava abrir o tempo. E basta que um deles faça o pedido, para que a água pare de cair e o sol volte a aparecer. Coincidência? Talvez não.

Pois se a negociação descrita acima ocupa não mais do que um prólogo, a trama se concentra mesmo vinte e nove anos depois, mais exatamente em 2011, quando os filhos dos dois estão retornando ao Brasil. Roberto (Silvio Guindane) não conseguiu vencer a crise europeia, que atracou com força na Espanha, e por isso foi obrigado a fazer as malas. Jornalista esportivo, há anos acalenta o projeto de publicar um livro sobre “o jogador que poderia ter mudado o rumo da Copa de 1982”, mas enfrenta a resistência dos filhos do antigo craque. Enquanto tenta reorganizar sua vida, fica a par da situação desse antigo terreno adquirido pelo pai. Agora é ele quem precisa vender. Mas o que descobre é que o acordo nunca foi concluído, e por isso precisa ir atrás do antigo proprietário. É quando se depara com Mitsuo (Ricardo Oshiro), que ao invés de simplesmente providenciar a assinatura que falta, decide cobrar R$ 20 mil pela transação. Vítima do tsunami que devastou o Japão, precisou voltar correndo para casa, e agora busca um meio de recomeçar e, desse modo, retomar o casamento com a esposa, de quem está separado durante esse processo.

Ricardo Elias, também autor do roteiro, faz um filme aparentemente simples, mas que a cada desdobramento revela uma vontade nova de promover diferentes temas em discussão. Esse retorno ao lar parece ser o mais evidente, mas há mais. Filhos que repetem os comportamentos que condenam nos pais também é bastante óbvio, assim como o ocaso de uma geração – a atual – que, despreparada para lidar com frustrações e desistências, parece simplesmente não saber qual passo dar após cada tombo que a vida lhe reserva. O fato dos protagonistas serem de etnias distintas – uma família é negra, a outra é nissei – também é uma questão que, ainda que evidente, em nenhum momento chega a ser aprofundada. Mas nada parece ser mais irrelevante do que os supostos poderes mágicos do terreno que está no centro do debate. Um personagem chega a cogitar a possibilidade de que todo pedido feito sobre ele é imediatamente atendido – e a tempestade interrompida lá no primeiro ato é apenas um dos exemplos. Mesmo assim, tal elemento é apenas atirado em cena, sem consequências, nem reflexões.

Há outros problemas em Mare Nostrum, e eles também não passam desapercebidos. Alguns complicam a fluência da história, como a irregularidade nas atuações – Silvio Guindane parece ser o único ator profissional em cena, enquanto que os demais mal conseguem defender suas falas com seriedade – ao mesmo tempo em que outros elevam o incômodo a um entrave mais ético: ao se recusar a cumprir o trato feito pelo pai, Mitsuo está sendo desonesto e trapaceiro, não apenas com sua família, mas também com os estranhos que lhe procuram. O personagem, no entanto, demonstra zero crise de consciência, pois a única coisa que lhe importa é comprar o computador que lhe permitirá trabalhar. Questões como essas fazem deste um filme que até começa de modo simpático, mas à medida em que avança vai se revelando cada vez mais simplório e esquecível. Bonitinho, e bem ordinário.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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