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Sinopse

​Depois de uma briga com o marido, Catherine resolve dar um tempo e sai de casa. Ela se muda para o quarto 212 de um hotel do outro lado da rua, com vista privilegiada para seu antigo apartamento, de onde acompanha o marido que acabara de deixar. Enquanto pensa se tomou a decisão certa, muitos personagens de sua trajetória opinam sobre o assunto. Todos a confrontam, ela gostando disso ou não, ao longo de uma noite que se revela transformadora.

Crítica

Rosebud está para o cinema como a esfinge para o Egito: um ícone atemporal rodeado por mistério e desafio. Criado por Orson Welles para o eterno Cidadão Kane (1941), já foi tema de inúmeras discussões sobre qual seria seu real significado, sem jamais se chegar a uma conclusão; esta é uma das belezas do filme. Em Quarto 212, o diretor Christophe Honoré pega emprestado não só o ícone mas toda a magia que o cerca, para usá-lo como a cereja do bolo em uma história pra lá de inusitada e bem-humorada.

Bebendo da fonte de inúmeros filmes franceses, Quarto 212 disseca um relacionamento amoroso, mais exatamente o desgaste que sofre no decorrer de algumas décadas de convívio. Entretanto, há aqui algumas características peculiares. A primeira delas surge logo na primeira cena, a caminhada decidida de uma Chiara Mastroianni logo desvendada como uma mulher sexualmente ativa, e com uma predisposição especial aos novinhos. Mais ainda: ela é uma mulher de atitude, capaz de desprezar um amante pela tolerância dele com uma rival que comete a insólita mescla de ditadura e amor - sim, isso acontece, e é hilário o modo como ela reage! Com uma verborragia alucinada, os minutos iniciais de Quarto 212 são essenciais para não só apresentar como também se afeiçoar a esta personagem tão cheia de si, independente de erros e acertos cometidos, que ficarão mais escancarados logo a seguir.

É ao ter sua infidelidade desmascarada na consequente briga com o marido que Quarto 212 assume aquela que será sua vertente decisiva: o fantástico. Ao migrar para o quarto que dá título ao filme - o número não é por acaso, mas sem spoilers! -, ela passa a receber visitas de pessoas que passaram por sua vida, em uma abrangente reflexão sobre seu passado. Isto sem deixar o bom humor de lado nem abandonar a vertente sexual, tão importante em sua personalidade. Em um desenrolar cada vez mais surpreendente, Quarto 212 se revela espirituoso e de um frescor contagiante, impulsionado não só pela bela atuação de Mastroianni como, também, pela riqueza de um roteiro sem medo de arriscar. Trata-se de Honoré na melhor forma.

Infelizmente, o filme não consegue manter o mesmo ritmo até o fim. Ao propor o encontro dos personagens fora do local do título, perde-se bastante de sua vivacidade e a narrativa tende a situações um tanto quanto preguiçosas. Há um considerável desnível do terço final em relação ao restante do filme, por mais que nele o diretor insira algumas alegorias visuais acerca do ambiente ali estabelecido: o cinema e suas marquises reluzentes, sempre palco de fantasias de todo tipo, e, na cena final, a citação a Rosebud. No fim das contas, Quarto 212 tem por objetivo vivenciar tal enigma a ser decifrado, sem o compromisso de explicações. Assim é a vida, assim é o cinema.

Divertido e cativante, Quarto 212 surpreende pela ousadia em arriscar sem, no entanto, abrir mão de reflexões até profundas acerca do relacionamento humano a dois. Honoré mais uma vez demonstra habilidade em brincar com a narrativa, de forma a torná-la lúdica mas com um pé na realidade. Destaque também para o elenco em torno de Chiara Mastroianni, talvez na melhor atuação de sua carreira, competente e no mesmo timing cômico/fantástico tão essencial ao filme.

Filme visto em Portugal, em abril de 2020.

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Jornalista e crítico de cinema. Fundador e editor-chefe do AdoroCinema por 19 anos, integrante da Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema) e ACCRJ (Associação de Críticos de Cinema do Rio de Janeiro), autor de textos nos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros", "Documentário Brasileiro - 100 Filmes Essenciais", "Animação Brasileira - 100 Filmes Essenciais" e "Curta Brasileiro - 100 Filmes Essenciais". Situado em Lisboa, é editor em Portugal do Papo de Cinema.
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