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Sinopse

Os históricos manifestos de arte podem ser aplicados à sociedade contemporânea? Este filme tenta responder a essa questão explorando os componentes performativos e o significado político de declarações artísticas e inovadoras do século XX. Essas obras vão dos futuristas e dadaístas ao Pop Art, passando por Fluxus, Lars von Trier e Jim Jarmusch.

Crítica

Se alguém tinha dúvidas de que Cate Blanchett seria a Meryl Streep de sua geração – afinal, as duas possuem exatos vinte anos de diferença – aqui está Manifesto para provar que... bom, não, ela não é. Na ousada proposta do diretor Julian Rosefeldt, a atriz aparece defendendo nada menos do que doze diferentes personagens – ou, melhor seria dizer, tipos. Lá está ela de cabelos curtos ou compridos, loiros ou morenos, de postura ousada, clássica ou reprimida e, até mesmo, como um homem. Todos distintos entre si, mas, ainda assim, similares. São arquétipos, e não seres. Pois não são essas figuras que importam – ou, ao menos, assim deveria ser – e, sim, o discurso que carregam, uma investigação a respeito de alguns dos mais importantes manifestos já professados na sociedade contemporânea, indo do dadaísmo ao Dogma 95, entre tantos outros. A premissa, que se percebe, é instigante. O resultado, por outro lado, fica um tanto aquém – mais pela forma, infelizmente, do que pelo conteúdo.

De intelectuais como Claes Oldenburg e André Breton a cineastas como Jim Jarmusch e Lars von Trier, Rosefeld propõe um gigantesco mosaico a partir do pensamento do fazer artístico. No entanto, decorar as dezenas de nomes citados não é o mais importante. Ainda que estes sejam expostos na tela através de uma edição ritmada logo no início na projeção, a ideia é mais se concentrar na palavra e menos nos autores delas. Blanchett, portanto, seria não mais do que um veículo para estes textos. Porém, é inegável a curiosidade que tais composições, por si só, já despertam. Atriz renomada, vencedora de dois Oscars e de dezenas de outros prêmios, ela se submete a um exercício camaleônico intenso, mas nem sempre eficaz. Exige-se muito, ainda que, no conjunto, tal dedicação não alcance o efeito almejado.

E isso que essa não sua primeira aventura neste sentido. No experimental Não Estou Lá (2007), sua performance como ninguém menos do que Bob Dylan lhe rendeu indicações a praticamente todas as premiações, além de troféus no Globo de Ouro, Independent Spirit Awards e no Festival de Veneza. Naquela ocasião, no entanto, ela tinha algo em mãos, um personagem a ser criado e desenvolvido. O contrário do que se percebe em Manifesto. Aqui, muitas de suas aparições são basicamente meios para um fim, presenças aleatórias – a mãe de família, a viúva lamuriante, o mendigo revoltado – que pouco acrescentam enquanto significado compartilhado com o que proclamam. Para tudo, é claro, há exceções. E a apresentadora de telejornal e a professora do jardim de infância são os melhores exemplos.

Estes dois casos específicos podem encontrar uma maior ressonância diante o espectador iniciado, principalmente por serem mais facilmente reconhecíveis e/ou elaborados. No esquete televiso, Blanchett aparece fazendo dobradinha consigo mesma – ela é tanto a apresentadora como a repórter que é chamada para um boletim do tempo – e o diálogo que se estabelece entre suas duas versões reforça o absurdo do que está sendo dito. Humor involuntário, mas perseguido pelo cineasta e, percebe-se, também pela intérprete, está também na sala de aula, como as regras da nova forma de fazer cinema pregadas por diretores dinamarqueses que acabam sendo expostos como matéria para crianças, algo infantil que, inevitavelmente, termina por ser tratado como passageiro – tal qual se confirmou de fato.

Julian Rosefeld é mais reconhecido no mundo das artes plásticas e visuais do que no cinematográfico propriamente dito. Tanto que este é apenas seu segundo longa-metragem, enquanto que outros trabalhos seus, como videoartes e instalações, encontram-se em museus da Alemanha, Austrália e Estados Unidos. Manifesto, inclusive, nasceu como uma dessas manifestações – uma exposição na qual todos estes segmentos – ou curtas, ou episódios – eram exibidos simultaneamente, expostos lado a lado, permitindo que o espectador os desfrutasse sob os mais diversos aspectos e ordens. Enquanto filme, estas opções se eliminam, ganhando uma sequência e um propósito que se perdem no seu decorrer. O pior, no entanto, é a ausência de respiros, momentos que possibilitem não apenas uma melhor absorção, mas, principalmente, uma necessária reflexão a respeito de cada mensagem proferida. E sem análise, tudo o que resta é Cate Blanchett, numa sequência de tirar o fôlego de perucas, vestidos e maquiagens. Curioso, de fato. Cansativo, com certeza. Mas não mais do que isso.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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