Manglehorn
Crítica
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Sinopse
O chaveiro A.J. Manglehorn é um filósofo de fachada que passa os dias no balcão de sua loja consumido pelas memórias do grande amor que deixou escapar de seu braços 40 anos antes. "Eu preciso de você, Clara", escreve ele em uma de muitas cartas. "Te amar foi a única coisa que fiz direito. Ninguém se compara a você, nem hoje nem nunca". A esperança de um amor parece ter ficado no passado de Manglehorn, mas neste mágico retrato de um homem surpreendente, há espaço para uma segunda chance.
Crítica
Angelo Manglehorn (Al Pacino) trabalha como chaveiro, ou seja, suas especialidades são copiar chaves e abrir fechaduras. É um tipo ensimesmado, meio de rancor com a vida, que se abre apenas nas cartas arrependidas à amada da juventude e na convivência com sua gata. Manglehorn começa delineando a personalidade deste protagonista bastante semelhante a outros que o cinema já nos apresentou, refém de um conjunto de sensações e percepções muito próprias que o coloca em desacordo com o mundo. Particularmente, o semblante de Manglehorn denota cansaço de viver, pelo menos de viver sem aquilo que ele julga então sua grande perda.
David Gordon Green, diretor versátil que passeia pelos mais diferentes registros sem ancorar em qualquer um deles, faz em Manglehorn o típico filme de ator, extremamente dependente de seu protagonista, no qual deposita quase todas as suas fichas. Em casos como esse, é imprescindível ter um intérprete competente encabeçando um elenco que, de resto, vai circundar seu personagem para extrair dele nuances. Al Pacino, quem sabe um dos grandes atores de todos os tempos, e certamente um dos maiores ainda vivos, faz um ótimo trabalho aqui, interpretando com muita sutileza esse homem que não consegue fruir o presente nem mesmo dimensionar o futuro, pois acorrentado a lembranças do passado.
A relação conturbada de Manglehorn com o filho é um indício de sua inadequação, do pouco traquejo que ele tem para lidar com as pessoas. Outro é a tentativa desastrada de manter algum contato mais íntimo com a caixa do banco, com quem ele flerta toda sexta-feira. Para Manglehorn, aceitar o novo é negar completamente o velho, e ele não parece disposto a soterrar ou mesmo relativizar suas lembranças ante qualquer possibilidade. O percurso é conhecido: primeiro vemos alguém encerrado voluntariamente em sua própria solidão (geralmente em virtude de uma desilusão), depois algumas tentativas externas empenhadas em furar o bloqueio e o posterior direcionamento para algo que realmente faça o protagonista abrir os olhos.
Depõem também contra Manglehorn algumas sequências de importância bastante relativa, tais como a do engavetamento de carros com um caminhão de melancias ou mesmo a cirurgia da gata. Aliás, determinadas metáforas perdem força por conta da falta de tato de Gordon Green no instante de relacioná-las com as demais situações, o que faz com que elas se mostrem demais como uma figura de linguagem, pouco orgânicas dentro da narrativa. Não faltam também os momentos de iluminação, nos quais o protagonista “cai em si”, percebendo que é preciso mudar de vida, num percurso desgastado e aqui utilizado sem muita personalidade.
Manglehorn é um filme com momentos muito bons. Talvez, se não fosse tão entregue às convenções da redenção e do “começar de novo”, explorados à exaustão pelo cinema, ele poderia alcançar notas ainda mais sofisticadas. Como está, é algo intermediário, que encontra em Al Pacino a compensação da força faltante em determinadas passagens, subtração ocasionada por um roteiro e uma direção dispersivos. Mesmo assim, dentro dessas restrições, é interessante a construção da situação central, calcada na culpa e a autopiedade, álibis duradouros para quem abdicou de viver.
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