Crítica


3

Leitores


6 votos 7.4

Onde Assistir

Sinopse

Dinho, Sérgio, Samuel, Julio e Bento formaram uma das bandas brasileiras de maior sucesso nos anos 1990. Os Mamonas Assassinas dominaram as paradas de sucesso com seu humor peculiar e uma atitude de palco debochada.

Crítica

Entre os anos de 1995/96 o grupo Mamonas Assassinas dominou as paradas de sucesso com suas letras e atitude irreverentes. Foi uma trajetória meteórica que durou pouco mais de oito meses, até que todos os seus integrantes morreram num acidente aéreo que comoveu o Brasil. Quase 30 anos depois, finalmente chega às telonas Mamonas Assassinas: O Filme, cinebiografia desses jovens que colocaram crianças e adultos para cantar e dançar músicas como “Vira-Vira”, “Pelados em Santos”, “Jumento Celestino” e “Robocop Gay”. E o resultado dificilmente poderia ser mais decepcionante. Tudo começa com um artifício de gosto bastante duvidoso: a voz de Dinho (Ruy Brissac) surgindo como que vinda do além para falar como ele e seus amigos permanecem no imaginário dos fãs mesmo depois de tanto tempo. Daí em diante, o que temos é uma história excessivamente fragmentada, sem ritmo e com um recorte amplo demais. Questões superimportantes nem são apresentadas direito e já ganham resolução. Isso diminui consideravelmente o impacto emocional, por exemplo, da reconstituição de passagens importantes da vida precocemente abreviada desse quinteto que tinha como ideia original se destacar como banda de rock progressivo reconhecida por canções densas. Tudo é acelerado, banalizado e quase sem importância nesse filme caracterizado pela displicência da abordagem.

De cara fica evidente que Mamonas Assassinas: O Filme não é necessariamente sobre a banda, mas sobretudo a respeito de Dinho, o vocalista que se tornou o rosto conhecido desse cometa acelerado que atravessou o Brasil alegremente. Bento (Alberto Rinoto) e Júlio (Robson Lima) são praticamente figurantes num filme que lhes dá pouquíssima atenção – quando muito temos lampejos superficiais da família de ambos. Já os irmãos Samuel (Adriano Tunes) e Sérgio (Rener Freitas) ganham um pouco mais de tempo de tela, porém nada que seja fundamental à trama de sucesso que está sendo construída. De fato, a vedete é Dinho, o rapaz desinibido que abre espaços em cenários improváveis por meio de sua irreverência. E esse retrato ficcional se beneficia muito da impressionante semelhança física entre ator e personagem, mesmo que Ruy não consiga fazer de Dinho mais que uma figura genérica superando obstáculos difíceis e vencendo em circunstâncias desfavoráveis. Um dos problemas do longa-metragem é a direção frouxa do estreante Edson Spinello, a pobreza da mise en scène corroborada pelo trabalho não menos frágil de Rodrigo Daniel Melo na montagem. A maioria das cenas é excessivamente picotada, isso sem contar o engessamento da movimentação do elenco. Nem os números musicais sobressaem positivamente nessa construção audiovisual bastante pobre e sem energia.

No entanto, o que mais depõe contra essa cinebiografia é o tratamento apressado e leviano dispensado aos problemas e dilemas dos personagens. Sérgio hesita diante da possibilidade de convidar Dinho para ser vocalista da banda, o que arma um possível impasse. Na cena seguinte, a de um show acontecendo no comício do candidato a vereador, esse aparentemente complexo problema simplesmente desapareceu. Adiante, a dúvida de Dinho sobre seguir ou não carreira solo desaparece como se não fosse algo relevante (se não era vital para o recorte, por que foi inserido na trama?). De modo semelhante, toda a questão envolvendo a pretendente de Samuel que atiça Sérgio é um arremedo de melodrama familiar que acaba se tornando algo descartável. Aliás, as personagens femininas de Mamonas Assassinas: O Filme são totalmente inofensivas ou interesseiras/manipuladoras/sem ética. Como quando Dinho finalmente encontra a pretendente amada que não tardará a tentar fazer a sua cabeça sobre uma separação imediata dos amigos. Então, a cinebiografia é mal resolvida do ponto de vista íntimo, pois foca demasiadamente em episódios insuficientemente desenvolvidos, e não menos falha ao elaborar o discurso referente à construção da carreira dos Mamonas Assassinas. E a direção de Edson não compensa os problemas do roteiro, pelo contrário, pois acentua as inconsistências e deixa o elenco “vendido”, com atores pronunciando ora falas empostadas, ora frases de efeito que denotam artificialidade.

De positivo apenas o fato que Ruy Brissac realmente cantar as músicas que aparecem no filme – não se saindo tão bem quando precisa remontar à veia humorística de Dinho. Outro ponto complicado de Mamonas Assassinas: O Filme é o esquematismo na encenação dos momentos de composição dos sucessos. Do jeito que a produção nos apresenta esses instantes de criação, a gestação das músicas que se tornaram verdadeiros hits Brasil afora dependiam apenas de uma intimidação externa e da inspiração que beirava o sobrenatural – o compositor Dinho sempre aparece cantarolado algo sob pressão e sendo providencialmente ajudado pela expertise de algum colega nos arredores. Outro componente que aparece, mas é pouco desenvolvido, é a real importância do empresário Enrico (Ton Prado) para o surgimento desse fenômeno fonográfico. Em certas passagens fica claro que sem ele os jovens de Guarulhos, no interior de São Paulo, não conseguiriam emplacar. Porém, Edson Spinello parece desinteressado em expandir essa noção, aliás, como parece desprovido de entusiasmo diante de quase todos os potenciais dessa história do êxito meteórico eternizado pela tragédia. O saldo é uma cinebiografia que vacila em quase todos os departamentos, incluindo aí a direção de arte e os figurinos que não imprimem veracidade. Essa trajetória meteórica merecia, ao menos, uma representação musicalmente empolgante, mas as apresentações são tão desprovidas de energia e criatividade quanto o resto.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
avatar
Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

Grade crítica

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *