Crítica
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Sinopse
Jess Harris trabalha numa organização sem fins lucrativos. Ela se prontifica a ser a barriga de aluguel para gestar o filho de um casal de amigos homossexuais. Mas, um dos exames pré-natais detecta algo que imporá um dilema.
Crítica
Josh e Aaron estão juntos há muitos anos. Os dois estão em um relacionamento sólido, possuem uma boa casa e ambos estão em empregos promissores. Parece ser o momento adequado, portanto, para um próximo passo: o crescimento da família. É quando decidem chamar a melhor amiga deles, Jess, para lhe fazer uma proposta que, como sabem de antemão, ela estaria pronta para aceitar: ser a mãe do filho que os dois tanto desejam. O envolvimento seria contratual, um acerto verbal entre amigos, no máximo sendo apontada, no futuro, como madrinha da criança. O núcleo familiar, portanto, continuaria entre eles, com a concordância dela em apenas ceder o próprio útero pelos próximos nove meses. Uma combinação que tem tudo para dar certo, até que dá errado. E quando isso acontece, o estrago pode ser não apenas grande, mas suficiente para se mostrar irremediável. Assim como Mãe de Aluguel, um filme que parte de uma premissa interessante, mas se esforça em cada oportunidade para trilhar os caminhos mais tortuosos, revelando-se uma experiência desgastante e infrutífera para qualquer um dos envolvidos, independente de que lado da tela se encontre.
Pra começar, o filme não é sobre Josh e Aaron. As atenções estão voltadas, curiosamente, para Jess. É com ela que a narrativa se ocupa desde o princípio. Os dois são apenas parte da matemática proposta, mostrados como um adendo – importante, é claro, as nunca fundamental. É ela quem recebe a ideia, que debate a respeito do convite e que passa a lidar com as consequências dos seus atos – por mais que reitere, a todo instante, que a criança que carrega será deles, e não dela. Isso até não seria um problema, caso se estivesse diante de uma produção cujos objetivos fossem rasteiros o bastante para entreter sem gerar maiores debates. Mas este não é um thriller sobre uma mulher arrependida ou sobre pais inseguros sobre como criar seus descendentes. A questão desenhada a partir de determinado momento é tão mais delicada, que sob hipótese alguma poderia ter sido trabalhada com tamanha displicência.
Após os primeiros exames, uma revelação se manifesta: a criança em gestação será portadora de Síndrome de Down. É claro que pai nenhum recebe uma notícia como essa com um sorriso estampado no rosto. É um momento tenso, de análise e reflexão – exatamente o que não se vê por aqui. Os pais do bebê, aqueles comprometidos a criá-lo pelo resto da vida, são retirados dessa equação. Dessa forma, quando o casal se apresenta decidido a optar pelo aborto, o que se vê é uma vilanização do relacionamento homossexual, como se homens gays servissem apenas para dar origem a uma casa de bonecas onde tudo funciona à perfeição, sem possibilidade de brechas nessa estrutura tão milimetricamente pré-concebida. Por outro lado, Jess desponta como a salvadora, a única que aparenta ter crises de consciência a respeito do destino que carrega dentro de si. Sob a desculpa de que “precisa fazer diferença no mundo, e essa começa consigo mesma”, se mostra disposta a enfrentar familiares, amigos e até colegas de trabalho em nome de algo – ou alguém – que reconhece não ter condições de lidar sozinha. Um problema está posto, mas a forma como cada um irá abordá-lo é suficiente para colocar em evidência o olhar maniqueísta assumido pelo filme.
No longa escrito e dirigido por Jeremy Hersh, ao mesmo tempo em que a personagem feminina é mostrada como a única capaz de fazer sacrifícios em nome de uma causa que acredita, os demais são expostos através de construções preguiçosas e manipuladoras. Basta perceber a mãe do menino com Down com quem a protagonista passa a se relacionar, que é sempre vista com um olhar cansado, como se estivesse prestes a cair no sono a qualquer instante, ou mesmo a mãe de Jess, ferrenha em discursos sobre propriedade e conquistas individuais, mas nunca interessada em ouvir os outros lados de cada questão. Da mesma forma, há escolhas da produção que se mostram problemáticas, muitas no próprio elenco. Em uma das passagens mais dramáticas, quando discute com os pais sobre a escolha que está prestes a tomar, é de se perguntar o que o ator que interpreta o pai dela faz em cena, pois sua evidente incapacidade de demonstrar qualquer tipo de expressão resulta em um ruído que mais distrai do que contribui com o conjunto. Outro ponto de desequilíbrio é Sullivan Jones, como Aaron, um ator tão monótono que tudo o que consegue é agir como se o drama que se desenrola em sua frente simplesmente não fosse do seu interesse.
Com isso, restam apenas uma irritante Jasmine Batchelor, no papel principal, que pouco consegue fazer pelo discurso limitado que lhe é ofertado, e Chris Perfetti (Looking: O Filme, 2016), aquele com um mínimo de experiência. Pois se em terra de cego, quem tem um olho é rei, parece ser o suficiente para o rapaz se colocar adiante dos seus parceiros em cena. Mas estes seriam apenas pormenores, caso a condução de um debate tão repleto de prós e contras como ao que Mãe de Aluguel se propõe fosse, no mínimo, responsável em seus olhares e posturas. Essa consciência, porém, passa ao largo da narrativa elaborada por Hersh, que opta sistematicamente por dar voz a apenas um dos elementos da questão, como se houvesse somente uma verdade a ser debatida – e, ainda, uma distorcida, carregada de preconceitos, certezas falhas e ilusões incapazes de sustentar os próprios argumentos. Poderia ser apenas descartável, mas vai além, mostrando-se equivocado e assustadoramente cego, ainda mais por promover uma discussão que tanto necessita de olhos atentos.
Filme visto online na 44ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, em novembro de 2020.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
---|---|
Robledo Milani | 3 |
Alysson Oliveira | 3 |
Marcio Sallem | 5 |
Nayara Reynaud | 8 |
Chico Fireman | 5 |
Nayara Reynaud | 8 |
MÉDIA | 5.3 |
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