Crítica


9

Leitores


5 votos 8.8

Onde Assistir

Sinopse

Três amigos vivem em São Francisco e exploram as opções ao alcance de uma nova geração de homens gays à procura de realização no amor e na vida. Patrick retorna à cidade pela primeira vez em quase um ano para celebrar um acontecimento importante com seus velhos amigos. No processo, deve enfrentar relações não resolvidas, o que deixou para trás e fazer escolhas difíceis sobre o que é importante para si mesmo.

Crítica

Quando foi lançada no final da década de 1990, Queer as Folk (1999-2000) logo conquistou fãs por todo o mundo justamente por dar espaço e voz à comunidade LGBT numa escala nunca proporcionada antes. Foram duas temporadas na versão inglesa e mais cinco no remake americano, em que todos os clichês (reais, diga-se de passagem) da cena gay foram apresentados e esmiuçados a cada episódio. Tinha de tudo: o metido a machão que não queria se comprometer, o jovem experimentando até se encontrar, o que não se assumia pra família, o portador de HIV que vivia a vida como qualquer outro, o que tinha total apoio da mãe, o mais que assumido e purpurinado... enfim, havia para todos os gostos do público e possibilidades de exploração de roteiro. Entre 2005 (marco final do seriado) e 2013, nenhum outro item televisivo conseguiu suprir essa lacuna como produto não apenas de entretenimento, mas de combate social e político. Isto até Looking chegar.

Pois eis que, em janeiro de 2014, a criação de Andrew Haigh, diretor e roteirista do pequeno e aclamado filme independente Weekend (2011), chegava às telinhas. Sua experiência ao tratar do tema com realismo e leveza levou a uma série que a própria comunidade LGBT em geral não entendeu (ou não quis se agarrar). Ao contrário de Queer as Folk, o novo produto da HBO não sentiu a necessidade de mostrar a cena homo como um gueto ou mundo à parte, o que era totalmente cabível no seriado anterior. Afinal, no início dos anos 2000 a discussão sobre direitos era voltada a um público que ainda não conhecia gays de diferentes formas. Looking aportou anos depois com uma visão diferenciada do mundo aqui fora, mesmo que o preconceito ainda seja alto e as lutas sejam cada vez mais constantes. Não tem aqueles velhos clichês do assumir para a família, das boates recheadas de ecstasy e ácido, nada disso. O retrato aqui é de pessoas como qualquer outra em que a única diferença de seus problemas é que amam pessoas do mesmo sexo. Ponto.

Dito isto, por duas temporadas conhecemos as desventuras amorosas, profissionais e familiares de três amigos, Patrick (Jonathan Groff), Agustín (Frankie J. Alvarez) e Dom (Murray Bartllet). O protagonista, Patrick, encerrou a série dividido entre a decepção de um possível relacionamento aberto com o namorado Kevin (Russell Tovey) e a amizade quase colorida com o ex Richie (Raúl Castillo). Mas não foi apenas isso que ficou no ar. O fim prematuro das histórias, renegadas pelo próprio público LGBT que pareceu não entender a proposta mais natural e menos “fechativa” de Looking, não intimidou os criadores e a própria HBO, que resolveram fazer este telefilme como presente para os fãs. E o melhor de tudo: ele funciona (muito bem) sem precisar de conhecimento prévio do material exibido nos dois anos anteriores. Ou seja, além de agradar a quem já gostava da série, é uma bela história sobre a vida aos 30 anos para qualquer pessoa, seja gay ou não.

O roteiro de Looking: O Filme começa nove meses depois de onde a história original parou. Patrick, agora morando em Denver onde é chefe de um negócio, está de volta a San Francisco em visita para o casamento de Agustín e Eddie (Frankie J. Alvarez). Ele os reencontra junto com Dom, que conseguiu finalmente estabelecer seu próprio negócio e está tendo noites de restaurante lotado. Mas a ida do protagonista à sua cidade levanta várias dúvidas: afinal, ele tinha ido embora porque precisava seguir em frente ou estava apenas fugindo de seus problemas? No caso, não apenas os rumos incertos que ele queria seguir na vida pessoal e profissional, mas as relações mal resolvidas com Kevin e Richie. E serão eles os principais responsáveis pelos melhores momentos do filme, especialmente ao cutucarem as feridas de Patrick, de formas diferentes, mas no mesmo alvo.

Quanto a estas reclamações contínuas que caíam sobre Looking: pode-se dizer que boa parte não é verdade. Temos aqui várias representações de classes gays, se é que assim podemos distinguir. O casamento é entre um artista plástico magrinho e (até então) promíscuo com um urso gordinho portador do vírus HIV. O quarentão que antes só queria saber de sexo e mais nada na vida agora mudou o foco para trabalho e nem para uma escapadinha tem ou quer ter tempo. O latino está bem longe do estereotipo machão “comedor” de carteirinha. Aqui ele é um cara normal que se apaixona e se perde por conta disso. E o chefe “galã” que parece não saber o que quer e por isso se envolve com mais de um ao mesmo tempo é, na verdade, um retrato bem comum da comunidade aqui fora.

O longa de 70 minutos utiliza um timing mais que perfeito com a recente aprovação do casamento gay nos EUA, tendo o cenário de aceitação e felicidade da comunidade LGBT como pano de fundo, para ecoar nos protagonistas – e, por que não dizer, no próprio espectador – a dúvida: é a união que todos querem? Isto não é se condicionar a uma vida heteronormativa? Viver sozinho não pode ser uma boa opção? Ou o amor entre duas (ou mais pessoas) pode ser tratado de diferentes formas? Com um personagem tão complexo como Patrick - que finalmente parece amadurecido após uns bons tapas da vida -, Andrew Haigh cria situações e diálogos adultos e interessantes que provocam, instigam, põem um dedo na cara de qualquer um que já tenha tido dificuldades em aceitar e expressar seu amor pelos outros.

Enquanto Richie está namorando há um ano outra pessoa (por sinal, um rapaz extremamente militante e politizado), Kevin está sumido da vida do grupo de amigos. O encontro entre ele e Patrick começa por um motivo profissional, chega a uma reviravolta explícita pelos diálogos explosivos (especialmente para quem acompanhou a série até o final) e tem um clímax agridoce. A cena é intensa, bela, realista. O mesmo se dará com o latino logo depois. Mas afinal, Patrick realmente sabe o que ele quer agora? Ou, mais uma vez, só quer fugir de seus problemas, nunca conseguindo encarar de frente as dificuldades e, especialmente, tendo medo de seus sentimentos, especialmente pelos outros, pela possibilidade de ser feliz e aceitar o que está à sua frente?

Com atores cada vez mais à vontade em personagens com franco e reconhecível amadurecimento e aprofundamento, Looking: O Filme se mostra não apenas um presente para seus órfãos, mas um belo retrato da dificuldade de se conectar a algo ou alguém no mundo de hoje. A procura que o título original remete parece ser eterna, mas será que ela não merece uma pausa para saber aproveitar o que o momento oferece? E quando os créditos sobem, a vontade é de esperar um anúncio que não virá (ao menos, não tão cedo): da volta da série. Afinal, poucos produtos atuais conseguiram conceber entretenimento com altas doses de realidade sobre as relações humanas como a criação de Andrew Haigh. “Às vezes não é porque a gente acha que não queira algo que a gente realmente não precisa” diz um deles lá pelas tantas. Pois é. Não apenas eles na telinha, mas nós do lado de cá também.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
avatar
é crítico de cinema, apresentador do Espaço Público Cinema exibido nas TVAL-RS e TVE e membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Jornalista e especialista em Cinema Expandido pela PUCRS.
avatar

Últimos artigos deMatheus Bonez (Ver Tudo)

Grade crítica

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *