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Sinopse

Aos 34 anos de idade, Steve Gleason, jogador da NFL e herói em Nova Orleans, foi diagnosticado com esclerose lateral amiotrófica, uma doença neurodegenerativa. Os médicos lhe deram de dois a cinco anos de vida. Sem se deixar abater, Steve escolheu viver com o propósito de aproveitar o tempo com sua esposa e seu filho recém-nascido, além de ajudar outros que sofrem da mesma doença.

Crítica

Em princípio, há um pai gravando vídeos para o filho em gestação. O suporte audiovisual permite o apontamento de instantes específicos, nos quais há euforia e um monte de expectativas. Porém, ele também serve como meio de preservação, especialmente na situação vivida por Steve Gleason, ex-jogador de futebol americano, diagnosticado aos 34 anos com esclerose lateral amiotrófica (ELA), doença grave do sistema nervoso que afeta os músculos e, por conseguinte, as funções físicas. Os vídeos-diários passam, então, a ser uma forma de eternizar o estado plenamente saudável de um homem bem-sucedido, bem como de presenciar sua derrocada, embora não o arrefecimento da perseverança. A Luta de Steve está longe de ser um documentário fácil de assistir, exatamente porque acompanha a gradativa e dolorosa degeneração do rapaz considerado um herói em Nova Orleans por conta dos feitos no campo de jogo, quando defendia o Saints, principalmente num embate histórico pós-Katrina.

O cineasta Clay Tweel faz uso intensivo dos registros caseiros de Steve e de sua esposa, Michele. Parte-se, inclusive, da sucessão de momentos íntimos que denotam uma ligação especial, evidente para além dos depoimentos que dão conta de corroborar a sensação de cumplicidade acima de qualquer coisa. Testemunhos mais recentes entremeiam essa construção de um afeto fundamental, acrescentando o viés retrospectivo que faz bem ao desenvolvimento cinematográfico mais plural das relações modificadas pelas circunstâncias. Seguimos o cotidiano do sujeito que descobre ser portador de uma doença, no mais das vezes, fatal, não por meio de reconstituições, mas observando seus vídeos marcados pela urgente necessidade de deixar um testamento ao filho. A Luta de Steve não se furta de chegar ainda mais perto para capturar as mudanças ocasionadas pela enfermidade sem cura. É penoso o processo de deterioração física ao qual Steve é submetido, aqui abordado frontalmente.

Há um sentimento de pesar pairando sobre o transcorrer de A Luta de Steve, especialmente porque o realizador, claramente próximo da família, tem abertura para filmar e/ou se valer de passagens extremamente dramáticas, como a ocasião em que Steve, levado pelo pai a uma igreja, cai na tentativa de correr para demonstrar o poder da fé alheia. Aliás, o filme não deixa de encarar as particularidades que tangem ao relacionamento do protagonista com seu progenitor. Eles frequentemente brigam, seja por divergências de espiritualidade ou em virtude de expressões mal colocadas que, porventura, acessam traumas do passado. Já a tenacidade de Steve e de Michelle é elevada a categoria de esforço exemplar. Ela não deixa o marido fraquejar, cuidando tanto de seu bem-estar quanto do filho deles, menino que cresce acostumado a ver o pai prostrado numa cadeira, fazendo uso do computador para comunicar-se verbalmente. A progressão cronológica do documentário ocorre paralela ao avanço desenfreado da doença.

A Luta de Steve não está preocupado em tornar confortável/agradável as quase duas horas da experiência proporcionada ao espectador. Prova disso, a coragem de ir fundo nos estágios mais complicados da doença, com, por exemplo, Steve perdendo as funções intestinais, sendo vital a intervenção de uma enfermeira que o ajuda a evacuar. Contrapondo essa sensação constante de tristeza, existe a celebração da força de vontade e da garra do homem severamente adoentado que torna referencial uma fundação encarregada de facilitar o acesso às tecnologias que mitigam o sofrimento de pessoas em estado semelhante. No que concerne à estrutura narrativa, Clay Tweel mescla habilmente o material disponível e o originado a partir dele, potencializando a empatia do espectador confrontado por uma conjuntura irreversível, em crescente envolvimento com a rotina desgastante de alguém que, contrariando os prognósticos, decide ir às últimas consequências para continuar vivendo.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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