Crítica


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Sinopse

José Luis decide levar a mãe na sua viagem de lua de mel após ter sido abandonado no altar. O que pode dar errado? Tudo e mais um pouco? Enquanto ela quer aproveitar as maravilhas do lugar, ele prefere ficar sofrendo de amor.

Crítica

Há algo típico dos romances na primeira cena de Lua de Mel com a Minha Mãe. Enquanto um casal está prestando os votos de casamento no altar, um homem começa a correr paralelamente para evitar a cerimônia e “sequestrar” a noiva que ele ama perdidamente. Na maioria das vezes, o espectador é levado a ficar ao lado justamente do apaixonado que toma uma atitude corajosa, motivada por sentimentos que vão além das convenções. Na comédia dirigida por Paco Caballero, pelo contrário, um dos protagonistas é o sujeito largado com as contas da festa para pagar e uma lua de mel dos sonhos que não prevê reembolso. Antes de qualquer coisa, é bom analisarmos esse filme por sua ambição: o cineasta certamente não pretende fazer dele um tratado profundo sobre as dores do abandono e tudo que vem a reboque da desilusão amorosa violenta. O resultado está mais para uma jornada escapista de quase 120 minutos em que temos personagens familiares se reconhecendo em meio a situações entre o comum e o estapafúrdio. Há quem diga que esse tipo de obra “feita para divertir” não está para os críticos como aquelas que mergulham nas profundezas da alma humana. Nada mais condescendente e equivocado do que eleger um grupo de filmes que supostamente não deveria ser pautado por análises criteriosas. Para entreter é fundamental ter talento e alguns pares de qualidades.

Feita essa introdução, Lua de Mel com a Minha Mãe é um daqueles filmes saborosos que, se não vão muito além do que imaginamos desde o princípio, tampouco ofendem a inteligência de quem está buscando diversão. José Luis (Quim Gutiérrez) é o homem beirando os 40 anos, largado no altar – trocado por um DJ bonitão – que fica triste ao ver seus planos de casamento irem por água abaixo. Sem a possibilidade de cancelar a lua de mel nas paradisíacas Ilhas Maurício, ele aceita uma sugestão que parece estapafúrdia: levar a própria mãe para a temporada de isolamento e descanso. Mari Carmen (Carmen Machi) é uma figura materna desenhada para se encaixar em vários arquétipos da maternidade, o que facilita tremendamente a identificação de qualquer espectador. Ela é carinhosa, zelosa, mas se mete em tudo do filho; ao tentar ajuda-lo, constantemente acaba o silenciando e tomando para si tarefas e decisões que seriam exclusivamente dele. Bom, mas chegando ao resort de luxo, os dois descobrem que terão de sustentar a farsa do casamento para não perder a suíte de núpcias. Claro que, em algum momento, a mentira mostrará que tem pernas curtas, mas a necessidade de manter as aparências é uma boa desculpa para cenas engraçadas e outras que beiram o constrangimento. O roteiro assinado por Cristóbal Garrido e Adolfo Valor equilibra bem aquilo que compõe o relacionamento mãe/ filho.

Mas, os grandes valores do longa-metragem são as contracenas de Quim Gutiérrez com Carmen Machi. O ator espanhol mantém a oposição carrancuda à natureza solar que desabrocha na personagem da mãe distanciada da monotonia do cotidiano. José Luis está sempre meio cabisbaixo por não conseguir se esquecer de seus infortúnios amorosos, nisso mantendo um tom meio ridículo e próximo da infantilização. E essa é a “escada” ideal para a veteraníssima atriz hispânica deitar e rolar como a mulher controladora que finalmente conseguiu um tempo para se conectar com os anseios de uma vida excitante. Os intérpretes formam uma dupla muito afinada, sobretudo por criarem/nutrirem o vínculo de interdependência, ou melhor dizendo, de complementariedade entre os personagens da mãe e do filho. Paco Caballero cuida para que esse equilíbrio entre as demandas de um e de outra sejam ora autônomos, ora convergentes. À medida que os dias passam e as trapalhadas tornam a estadia turbulenta, os dois protagonistas deixam visíveis impasses e frustrações pessoais. Ele se mostra um sujeito incapaz de ficar sozinho, desesperado para agarrar a primeira oportunidade de relacionamento pela simples impossibilidade de viver sozinho; ela revela um lado melancólico por trás de sua expansividade, o da mulher que teve os seus sonhos frustrados por um casamento morno e enfadonho.

Não fosse tão previsível, Lua de Mel Com a Minha Mãe poderia ir ainda mais longe como uma dramédia. É fácil imaginar para onde a trama está indo e, sobretudo, qual será exatamente o próximo pico da curva dramática. Isso, porque o roteiro adere às convenções como se pagasse um pedágio. No entanto, sobressai o charme com o qual essa comida requentada nos é servida. E os coadjuvantes carismáticos são o tempero adicional do prato, principalmente o Don Juan com jeitão de golpe ambulante e a indefectível funcionária do resort Montse (Yolanda Ramos). Essa personagem merece um comentário à parte, pois desempenha com excelência a função de figura excêntrica que, por associação e comparação, torna ainda mais comuns os protagonistas. Cheia de tiques e com um sotaque carregadíssimo (próprio às caricaturas), ela garante alguns dos instantes mais engraçados do filme. Aliás, de determinado ponto da trama em diante, são justamente essas pessoas ao largo dos protagonistas que se encarregam da comédia, uma vez que José Luis e Mari Carmen vão mergulhando em reflexões mais sérias antes do evidente encerramento “felizes para sempre”. Aliás, o clímax sugere uma circularidade, pois devolve ao espectador a possibilidade de torcer para o sujeito que corre desesperado para evitar um casamento. Se nada mais prestasse, o filme valeria pelo brilhantismo de Carmen Machi em cena, tanto que a mãe toma os holofotes do filho e se torna uma personagem bem mais interessante.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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