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Sinopse

Em 1892, Lizzie Borden é uma mulher bem mais complexa e provocante do que a maioria das moças de sua época. Íntima de sua empregada irlandesa, Bridget Sullivan, a jovem tem um lado aterrorizante desconhecido, mas quando um duplo homicídio acontece na família, ela é a primeira suspeita.

Crítica

Baseado em fatos, Lizzie se passa no ocaso do século 19. Sua premissa dá gancho para diversas discussões, algumas acessadas timidamente pelo cineasta Craig William Macneill, mas nenhuma devidamente esquadrinhada, o que traz ao resultado um ranço de superficialidade. A trama parte da deflagração de um crime hediondo, com duas pessoas, assassinadas brutalmente, repousando em poças de sangue enquanto entende-se, nas entrelinhas, que a circunstância macabra tem a ver tanto com Lizzie (Chloë Sevigny), filha de um dos mortos, enteada da outra, quanto com Bridget (Kristen Stewart), a empregada da casa. De maneira esquemática, o longa-metragem retrocede para seis meses antes da tragédia, no momento em que a serviçal chega para trabalhar com a família respeitável na sociedade local. Esse movimento, por si, atrela as duas personagens, fazendo do percurso de ambas uma caminhada paralela. Todavia, a frouxidão na disposição das múltiplas peças gera um emaranhado de situações com bom potencial dramático desperdiçado.

Por conta da falta de consistência dramatúrgica, Lizzie transcorre sem necessariamente conseguir consolidar pontos de vista ou permitir adesão considerável às personagens. A ambientação é prejudicada pela direção de arte simplória, algo que a decupagem, caracterizada por planos fechados, tenta dirimir, porém em vão. Deixando um pouco de lado a aclimatação de Bridget – chamada vulgarmente de Maggie, apelido genérico, comumente dado às domésticas –, a produção se debruça sobre a inquietação de Lizzie, das filhas do endinheirado Andrew (Jamey Sheridan), aquela que não consegue se encaixar. O realizador, contudo, não trabalha a inadequação como um traço essencial, fragilidade conceitual acentuada pelo desajeito na observação da saúde debilitada da jovem. Seu distúrbio, hoje diagnosticado como epilepsia, na época era marginalizante. Ela desafia constantemente o pai, especialmente quando ele tenta fazer valer sua autoridade patriarcal. Mas, há pouco fôlego nessa abordagem da opressão feminina num entorno bastante machista.

Lizzie é disperso. Falta-lhe tônus dramático. A urdidura dos componentes acontece de forma burocrática, sem uma incisão que os valorize. O abuso que Bridget sofre por parte do patrão é encarado rapidamente, compreendido mais como ponto de validação da violência vindoura, menos enquanto fruto de uma conjuntura perversa e socialmente atestada pelo falocentrismo. A falta de densidade das personagens é determinante para que tudo caia rapidamente na banalidade. Há uma intriga familiar, com o golpe em andamento de um parente de olho na herança polpuda, mas nada que interfira na progressão retilínea. O filme caminha a passos largos às resoluções simplistas e destituídas de pungência. Kristen Stewart é limitada a uma subserviência tipificada, geralmente tendo tolhida, pela direção, qualquer tentativa de sobressair. Mesmo Chloë Sevigny, a protagonista, pena na luta contra as fraquezas de sua figura indeterminada, que não serve para empunhar bandeiras de vanguarda e, tampouco, ela própria, se sustenta como estandarte de pensamentos avançados.

O envolvimento amoroso entre Lizzie e Bridget é praticamente dispensável ou, quando muito, indício da incapacidade diretiva de criar sequências e conjunções com peso suficiente. Intentando analisar a situação feminina nos Estados Unidos no século 19, Craig William Macneill acaba se esquecendo de dar espessura às constatações de brutalidade dos abismos de classe. Ele ensaia enveredar por essa senda, especialmente quando a empregada, consternada, repreende a patroa que demonstra vontade de defendê-la dos estupros constantes, apontando à falta de alternativas a obrigando a submeter-se. Passando sobre diversos questionamentos relevantes, mas sem eleger ao menos um como âncora principal, Lizzie acaba se tornando refém de seu caráter anódino, bem como da pobreza da linguagem utilizada para desenrolar um enredo permeado por selvagerias evidentes e sutis. A estrutura que desenha o périplo (ordinário) valoriza o mistério. Assim, é responsável por depor contra a seriedade do conjunto de assuntos que, poderia, com ganhos, eclipsar a mera curiosidade.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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