Crítica
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Sinopse
Um trágico naufrágio em 1941 ceifou a vida da cantora judia Mathilda Segalescu e de mais de 700 outros refugiados judeus em viagem no Struma, o último navio que zarpou da Romênia para Palestina. Um pescador árabe resgata o piano de Mathilda se apaixona por quem aparece todas as noites para contar a sua trágica diáspora.
Crítica
A autodeterminação de Liquid Voices: A História de Mathilda Segalescu como “ópera cinemática” é um eufemismo. Se trata simplesmente de uma ópera filmada. Para começo de conversa, é superficial a convergência com o cinema no desenrolar da tragédia envolvendo uma diáspora judaica. O gênero teatral é sobressalente nessa quimera cuja trama passa pelo malfadado trânsito marítimo de imigrantes europeus em busca de refúgio na palestina durante a Segunda Guerra Mundial. Para além do cinematográfico, há o performático. Como efeito colateral, gritam a encenação engessada nos cenários postiços, a montagem burocraticamente dando perspectivas distintas dos números e o comportamento dos intérpretes. Mathilda é vivida pela soprano Gabriela Geluda, enquanto o pescador árabe, aquele que encontra o único "sobrevivente-testemunha" do fatídico naufrágio, é interpretado pelo tenor Luciano Botelho. Eles se movem diante das câmeras como se estas não existissem, mas fitam o público imaginário e interagem com os músicos presentes.
Frequentemente, a relação do cinema com o teatro é vista com uma desproporcional desconfiança. A sentença “teatro filmado” foi vulgarizada enquanto dispositivo retórico para sinalizar uma nociva subserviência. Tendo como ponto de partida justamente o entendimento oposto, ou seja, de que essas formas de expressão devem intercambiar-se sem prejuízo mútuo, pelo contrário, numa mão dupla de benfeitorias, Liquid Voices: A História de Mathilda Segalescu pode ser retido como um objeto de proposta ainda mais frágil. Nele, o cinema é restrito a ser mero suporte de captação, um utensílio de perpetuação e projeção do conteúdo gramaticalmente reverente à ópera. No que tange à trama propriamente dita, ela avança por meio de subterfúgios banais, tais como as cartelas que tornam o processo algo didático e os números conceitualizados e executados dentro de uma lógica feita às quatro paredes. A diretora Jocy de Oliveira, respeitadíssima compositora octogenária, se demora na exuberância vocal dos atores em cena, às vezes permanecendo mais tempo ressaltando os timbres impressionantes e, assim, recorrentemente, sublinhando a natureza espetacular.
A dramaturgia de Liquid Voices: A História de Mathilda Segalescu é também operística, sequer minimamente pensada dentro de um diálogo entre as artes-irmãs. A reboque da utilização protocolar da montagem – não encarregada de substanciar a produção de sentidos, nem tida como apetrecho de dinamização, mas, conforme supracitado, entendida unicamente na condição de mecanismo de alternância de pontos de vista –, há um jogo cênico transplantado sem esforços notáveis de adaptação. Jocy de Oliveira não trabalha para gerar uma interlocução eficaz e bem-sucedida entre ópera e cinema, a fim de fazer o lirismo de uma ganhar novas reverberações de acordo com as ferramentas do outro. Gabriela Geluda nos brinda com a limpidez de uma voz obviamente privilegiada. Luciano Botelho, dono de uma capacidade vocal não menos impressionante, responde de modo empostado. E vice-versa. A despeito dos cenários bonitos, vide a capacidade expressiva do piano dependurado como se tivesse acabado de ser retirado do mar, falta um tônus de cinema à performance.
Em alguns momentos de Liquid Voices: A História de Mathilda Segalescu Mathilda e o pescador interagem diretamente com os musicistas, como diante do flautista a embalar o amor fantasmático. Ali há uma sintomática tentativa de integração. Todavia, geralmente os virtuosos que ajudam a compor a peça tonal essencial ao conjunto são relegados ao fundo da cena, colocados levianamente dentro de outra perspectiva diegética. Jocy de Oliveira não pondera acerca dessa diferenciação. Num par de ocasiões, a atriz principal, bem como seu parceiro de cena, ganha espaço para, ao menos, manifestar vocalmente o que as câmeras negligenciam com frequência. De fato, não há particularidades que façam imprescindível o cinema nessa equação. A Sétima Arte é instrumentalizada como um apêndice conveniente. Ao presenciar a mesmíssima proposta ao vivo, talvez a única diferença óbvia seria a ausência da fragmentação desnecessária. De resto, a experiência provavelmente tenderia à similaridade, portanto própria a fãs da ópera, não tanto aos do cinema.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
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Marcelo Müller | 3 |
Nayara Reynaud | 4 |
MÉDIA | 3.5 |
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