Crítica


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Sinopse

Um estudante deseja se tornar reconhecido como ator. Porém, quando se apaixona por uma jovem alguns anos mais velha, vê todas as suas crenças serem colocadas em cheque.

Crítica

Pizza de alcaçuz é uma iguaria que, definitivamente, não faz parte do cardápio brasileiro. Aliás, até onde se sabe, de lugar algum. Então, por qual razão Paul Thomas Anderson decidiu nominar seu filme exatamente assim, Licorice Pizza? O batismo, mais do que fazer referência a algo específico da trama, tem a ver com um anseio, com uma ideia: combinar duas coisas aparentemente perfeitas, mas que, unidas, não parecem fazer sentido. Licorice, ou alcaçuz, é um doce bastante popular nos Estados Unidos (ainda que no Brasil não seja tão conhecido). Quanto à pizza, bom, essa dispensa explicações. Seria lindo se tudo que for bom de um jeito, quando somado com algo também espetacular do seu próprio modo, se mostrasse ainda melhor do que apartado. Mas não é assim que a vida funciona. Há surpresas por todos os lados, crenças que teriam tudo para dar certo e que, inexplicavelmente, acabam não rendendo, da mesma forma como elementos aparentemente estranhos que, postos lado a lado, resultam numa combinação maior do que suas partes em separado. São pequenas magias que, quando em ação, se revelam capazes de transformar o ordinário em inesquecível. Sem planejamento, nem fácil reprodução.

Gary (Cooper Hoffman, filho do saudoso Philip Seymour Hoffman, indicando carisma para se garantir no mesmo caminho do pai) e Alana (Alana Haim, cantora da banda Haim, ao lado das irmãs Este e Danielle – que, aliás, aparecem também nesse filme como elas mesmas, ao lado dos pais do trio de garotas, Moti e Donna) formam um desses pares que tinha tudo para dar errado e que, mesmo assim, não conseguem ficar afastados um do outro. Ainda que a diferença de idade entre os dois personagens não seja tão grande assim (a atriz é 12 anos mais velha que ele), é um empecilho – principalmente para ela – principalmente se levar em conta a época na qual essa história se passa (meados dos anos 1970). A garota está apenas fazendo o seu trabalho, mais um dentre tantos a ocupar o seu dia, sem grandes preocupações, ou desejos. O jovem – não mais criança, mas também não adulto, por mais que se pense como tal – está preso a uma rotina ao seu modo, de estudante, entre uma aula e uma lição de casa. Porém, se para ela os dias parecem iguais, para ele há respiros que, quando repetidos se tornam corriqueiros, por mais que, aos olhos dos demais, sigam sendo surpreendentes. Estão ambos na Califórnia, próximo demais de Hollywood, e o estrelato está sempre a um passo de se tornar realidade.

Não que vá, no entanto, se concretizar para qualquer um deles. Mas há pequenas experiências, aperitivos que servem para incitar um desejo de quero mais, mesmo que o caminho das pedras não seja simples de ser descoberto. Alana pode ter sentido um pouco do deslumbre proporcionado pelo contato com um ator-mirim, mas todos sabem o que acontece a estes quando crescem: são raros os que seguem no show business. Assim, tratará de seguir com sua vida, como um asteroide buscando desesperadamente por um corpo forte o bastante para atrair sua atenção e mantê-la em órbita ao seu redor o suficiente até que, combinados, formem algo maior do que suas presenças individuais. O que ele tem pela frente é mais árduo, mas não menos interessante. Tanto é que, uma vez ciente do seu ponto de partida, não hesitará em testar os limites que lhe serão impostos. Constantemente à procura de uma próxima oportunidade de se mostrar válido aos olhos dos demais, buscará negócios que podem dar certo da noite para o dia, relações com possíveis celebridades que talvez lhes sejam gratas ou não, contatos e conhecimentos que, quando acumulados, poderão fazer diferença mais adiante. Mais do que torcer pela sorte ao dobrar a esquina, é preciso acreditar. Não só no processo, mas também num meio para o fim tão almejado: um modo para os dois voltarem a ficar juntos.

Se Anderson acerta ao colocar dois protagonistas novatos – ambos estreantes – que, apesar de tudo que tinham contra si, funcionam quando juntos, por outro lado o cineasta, que tanto acertou nas incursões mais inusitadas – como fazer de Adam Sandler um bom ator (Embriagado de Amor, 2002) ou tornar atraente uma paixão surgida em ambiente árido (Trama Fantasma, 2017) – aqui demonstra pouca confiança em uma aposta tão alta. Assim, ao invés de permitir que seus intérpretes carreguem sozinhos as desventuras de um sentimento destinado a não se deixar consumir, trata de oferecer à trama um caráter quase episódico, inserindo tantas distrações que mais afastam do que aproximam o espectador do que se passa entre os dois personagens principais. Atores como Sean Penn (como William Holden, galã vencedor do Oscar por Inferno Nº 17, 1953) e Bradley Cooper (como Jon Peters, produtor e ex-namorado de Barbra Streisand) são grandes demais para as pequenas participações que oferecem, e se fossem apenas os dois, já representariam mais ruído do que o desejado. Mas não estão sozinhos, e com eles estão também Maya Rudolph, Tom Waits, o namorado ateu, o dono do restaurante chinês que não fala a língua, apesar de sempre se casar com mulheres orientais (um adendo pensado como potencial cômico, mas que resvala na xenofobia e racismo) e outros tantos. Há elementos em excesso, quando tudo o que se esperava era o mínimo.

Mesmo assim, esse conto de amadurecimento e mudança social reverbera como algo menor, mas não irrelevante, dentro de uma filmografia que tantas vezes atingiu notas altas demais para serem ignoradas (Boogie Nights, 1997, Magnolia, 1999, Sangue Negro, 2007). Provavelmente, o problema nem seja esse filme específico, mas tudo o que seu realizador trouxe à mesa antes, que geram sombras densas demais para delas se livrar sem percalços. Licorice Pizza prende a atenção com o seu desenrolar quase singelo, focado mais nas emoções do que em cada uma das suas passagens isoladas, e ainda tem o mérito de agregar ao cenário dois novos artistas de imenso potencial. Mas, como um todo, não consegue evitar um gosto estranho, entre o doce excessivo e o amargo difícil de engolir. Poderia ter funcionado de forma despreocupada caso aquele por trás dessa visão tivesse confiado mais no conjunto desenhado em sua origem, sem se preocupar com o que se pensava necessário agregar para que a mistura ficasse atraente. Afinal, há situações distintas, muitas vezes não reincidentes, mas talvez com maior frequência do que possivelmente se desejaria, em que o menos é sinônimo de mais. Sutileza, empatia, segurança. Antes de ter, é preciso imaginar. A questão, aqui, não é carência, muito menos demasia. É apenas a dosagem. Na medida certa, o resultado teria sido memorável. Do jeito que está, porém, não consegue ir além do simpático. E diante do que se imaginava, é impossível não lamentar tal constatação.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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