Sinopse
Crítica
A informação de que La Parle foi criado por ex-participantes de uma residência artística chefiada pelo cineasta Claude Lelouch nos ajuda a confirmar rapidamente a filiação dessa coprodução França/Brasil às tradições do emblemático cinema francês das décadas de 1960/70. No entanto, mesmo sem esse conhecimento é fácil reconhecer marcas estéticas e narrativas características dos longas-metragens da Nouvelle Vague francesa – ainda que haja alguma resistência na consideração de Lelouch como membro da revolução francófona. Para começo de conversa, os protagonistas são jovens às voltas com decisões fundamentais para o seu futuro, tomados por questões de ordem existencialista. Eles são herdeiros diretos da geração pós-Segunda Guerra Mundial que deambulava geralmente por Paris em busca de algum sentido satisfatório às coisas de seus cotidianos, buscando neles uma valorização além da utilidade como força de trabalho (noção residual nascida na Revolução Industrial). Gabriela (Gabriela Boeri) é a brasileira que recebe a visita de três franceses de sua faixa etária na casa litorânea de uma amiga ausente. Fanny (Fanny Ledoux-Boldini) aguarda ansiosamente o resultado de um exame sobre a possível remissão do câncer de mama; Simon (Simon Boulier) transformou em filme a separação de seus pais; e, por fim, Kevin (Kevin Vanstaen) é o montador tímido que se interessa pela sul-americana.
La Parle tem uma fotografia em preto e branco que remete diretamente aos primórdios da Nouvelle Vague. Com isso, reforça a evocação desse cinema inventivo que carregava o frescor protagonista de uma juventude reivindicando ser respeitada e ouvida dentro da sociedade francesa. Já a trama ambientada num momento idílico de férias alude imediatamente à obra de Eric Rohmer, um dos principais membros da nova onda sessentista/setentista, um artista que gostava de inserir os personagens de seus filmes em circunstâncias de descanso, pois isso retirava do horizonte as preocupações urgentes (trabalho, sustento, etc.). No entanto, estética e narrativamente falando, o longa assinado por Gabriela Boeri, Simon Boulier, Fanny Ledoux-Boldini e Kevin Vanstaen (sim, os diretores vivem os protagonistas) evoca certas heranças dos trabalhos de Jean-Luc Godard e Jacques Rivette, sobretudo pela forma como investigam o ordinário em busca de algo intangível que escape aos olhos. Nos filmes de Rohmer, ainda que sentimentos e frustrações motivem as pessoas a desabafarem longamente, é preservada uma deliciosa sensação prosaica de cotidianidade. Os quatro realizadores estreantes tomam um caminho diferente, tentando extrair poesia de coisas relativamente simples, como nas cenas em que a câmera se detém nas ondas marítimas enquanto uma voz em off se perde em devaneios.
No começo, La Parle soa como um exercício demasiadamente pretensioso, principalmente em virtude da maneira como conjura a tradição do cinema francês em prol de abordagens atuais pela sua atemporalidade. Algumas tentativas nesse sentido parecem simples repetições de cacoetes dos chamados “filmes de arte”, como os monólogos confessionais tendo como imagem ilustrativa a natureza que simplesmente segue impávida o seu curso natural. Porém, à medida que o filme concede espaço ao aspecto humano, demonstrando interesse real pelos pequenos e grandes dilemas comuns dos personagens, é perceptível que em meio a tanta vontade de parecer intelectualmente relevante existem vozes sensíveis. Desse modo, não estamos diante de um trabalho exuberante, mas de um relato singelo (às vezes potente) da perdida e angustiada juventude à beira-mar. Gabriela é a a estrangeira que lida de longe com a doença degenerativa de sua amada avó (causadora de lapsos e bloqueios da memória); Fanny se revela melhor individualmente ao assumir a dianteira do enredo com o seu drama pessoal que coloca em perspectiva simbólica o aceite das anomalias; a timidez e a obstinação de Kevin, bem como a necessidade de Simon de levar ao cinema as particularidades de sua família poderiam ser melhor exploradas, pois acabam se tornando notas de rodapé que servem ao aspecto comum do painel.
Mas, Gabriela Boeri, Simon Boulier, Fanny Ledoux-Boldini e Kevin Vanstaen equilibram os relatos dos três personagens franceses que giram em torno da brasileira – figura com mais tempo sobressaindo do que os demais. Os realizadores poderiam ter elaborado melhor, por exemplo, a conexão entre o medo de Fanny diante do câncer e a tristeza de Gabriela em virtude da doença que gradativamente lança a sua avó num limbo de esquecimento. Eles também poderiam ter desenvolvido de modo menos lacônico as semelhanças entre as dificuldades familiares de Simon e as comportamentais de Kevin. O grande calcanhar de Aquiles da estreia desse quarteto promissor é justamente a dosagem entre a introspecção, a hesitação e a mera apatia. Mesmo conseguindo manter o espectador atento a essa ciranda de desejos e impossibilidades ambientadas num ensolarado litoral francês, eles eventualmente passam do ponto com essa estratégia de borrar os percursos em prol de uma sensação de indeterminação. Mas, antes errar tentando do que acertar seguindo um caminho confortável e absolutamente seguro. Com La Parle, eles ao menos não agem de modo paternalista, escapando à abordagem didática de gente explicando situações e sentimentos. Os cineastas apostam na capacidade do espectador de decodificar associações figuradas e silêncios significativos, por exemplo. Pena que em prol da estilização, perdem o contraste entre sol litorâneo e áreas cinzentas inerentes aos personagens.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
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Marcelo Müller | 6 |
Alysson Oliveira | 6 |
Ailton Monteiro | 6 |
MÉDIA | 6 |
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