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Sinopse

María e Susana, duas adolescentes de 17 anos, passam o verão no acampamento católico La Brújula, em Segóvia, e têm por hábito desrespeitar as rígidas regras de convivência estabelecidas pelas freiras. Fãs de música electro, elas têm um duo chamado Suma Latina e são inseparáveis, mas estranhas aparições de Deus cantando sucessos de Whitney Houston passam a afetar profundamente María, fazendo-a repensar suas prioridades e interesses.

Crítica

Qual é a face de Deus/Jesus? Historiadores afirmam que ele não se parecia com o homem de olhos azuis e cabelos claros presente nas representações típicas da Igreja Católica. Os avessos às imagens propagam que ele não tem forma, sendo, na verdade, uma força que move e ilumina o universo. Os diretores e roteiristas Javier Ambrossi e Javier Calvo parecem ter sido movidos por essa ideia de que cada um pode construir a própria imagem de Deus para criar La Llamada, um filme que, embora não seja perfeito, merece atenção especial, principalmente de quem acredita que o cinema voltado ao público adolescente anda pouco criativo.

Vencedor do prêmio do público no Gaudí Awards e do Goya de Melhor Canção Original, La llamada assume o risco de ser um musical realizado longe do país que imortalizou esse gênero. Risco, este, que o filme transforma na mola propulsora de seus números, unindo a grandiosidade dos clássicos dos anos 30 e 40 com as inovações cênicas e coreográficas de marcos como Amor, Sublime Amor (1961), de Robert Wise. E a primeira inovação está no roteiro, baseado na peça escrita pelo próprio Ambrossi. Maria, interpretada pela expressiva Macarena Garcia, e Susana, vivida por Anna Castillo, são melhores amigas e rebeldes assumidas dentro do grupo de garotas que passa férias no acampamento católico com o simbólico nome de A Bússola. Quando todas deveriam estar dormindo, as garotas saem para aproveitar a vida noturna da cidade de Segóvia, embaladas pela música eletrônica latina.

Acampamentos são um cenário conhecido do cinema adolescente, ambiente de descobertas e aventuras típicas do despertar dos hormônios. Mas aqui ele é um mero detalhe. O poder de La Llamada está em suas personagens femininas e na ousadia de brincar com temas polêmicos, como a religião, sem rodeios. Já na cena de abertura, que mostra o primeiro encontro de Maria com Deus, percebemos que a próxima hora e meia será de uma diversão despojada que exige do espectador um desprendimento da realidade (e não é isso que pede um musical?). O Deus, neste caso, é interpretado pelo inglês Richard Collins-Moore e adora um terno bordado de lantejoulas e um topete estruturado. Sim, o Todo Poderoso é um crooner com predileção por canções de Whitney Houston e está presente nos momentos mais engraçados do longa.

Fica difícil não lembrar de A Noviça Rebelde (1965) (outro musical sob a batuta de Wise), não apenas pelo nome da protagonista, mas também em virtude da ideia de uma freira que não consegue se enquadrar em seu ofício por causa da paixão pela música, caso da personagem Milagros, vivida pela ótima Belén Cuesta, que intercala momentos de confidências com os temores de ser castigada por sua superiora, a divertida Bernarda (Gracia Olayo). Porém, aqui, cantar tem um papel mais forte e as músicas surgem sempre com um propósito. Claro que a trama poderia ser contada sem os números, mas perderia o seu charme revolucionário.

Muitos dos integrantes desta geração, acostumada a ser tratada como limitada por vários roteiristas, podem considerar algumas cenas de gosto duvidoso e o riso pode parecer decorrente mais do insólito que da piada em si. Mas, para formarmos um público que se sinta atraído e não repelido pelo diferente e criativo, precisamos apresentar abordagens diferentes, novos olhares sobre enredos cotidianos. La Llamada fala de amizade, de reconhecimento, de liberdade e de fé sem precisar ser didático ou clichê. Um oásis numa época em que os “filmes para a juventude” ou se levam a sério demais ou descambam para o sentimentalismo.

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é jornalista e especialista em cinema formada pelo Centro Universitário Franciscano (UNIFRA). Com diversas publicações, participou da obra Uma história a cada filme (UFSM, vol. 4). Na academia, seu foco é o cinema oriental, com ênfase na obra do cineasta Akira Kurosawa, e o cinema independente americano, analisando as questões fílmicas e antropológicas que envolveram a parceria entre o diretor John Cassavetes e sua esposa, a atriz Gena Rowlands.
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