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Sinopse

Po precisa encontrar e treinar um novo Dragão Guerreiro depois de ser escolhido o Líder Espiritual do Vale da Paz. No entanto, ele sequer imagina que uma feiticeira perversa está tentando trazer todos os vilões-mestres já derrotados por Po diretamente do reino espiritual.

Crítica

Piada, quando explicada, perde a graça. O mesmo acontece quando é repetida à exaustão. Eis, enfim, o que se verifica em Kung Fu Panda 4. Mais um remake empobrecido e menos uma continuação inspirada, fica clara logo nos instantes iniciais desse projeto dirigido por Mike Mitchell e Stephanie Stine a intenção em introduzir o personagem a um novo público – afinal, o panda lutador de kung fu estreou nos cinemas em 2008 (ou seja, há exatos 16 anos) e teve sua aventura anterior na tela grande em 2016 (há quase uma década). Como se trata de um filme direcionado a um público com dez anos ou menos, uma nova geração estaria, ao menos em tese, pronta para se deparar com Po e os 5 Furiosos. Porém, se do grupo de apoio o novo longa tem nada (reduzido a uma participação mínima, apenas visual, sem o envolvimento dos dubladores), do herói obeso e comilão também é melhor não esperar muito, uma vez que muito da sua presença é eclipsada ou por uma coadjuvante de fala rápida e gestos ainda mais ágeis e por uma inimiga transmorfa, ou seja, que pode assumir qualquer aspecto e, com isso, se encarregar de um possível deslumbre visual. Quanto ao resto, se menores forem as expectativas, menor também será a frustração.

Revelando sinais de fadiga já de partida, Kung Fu Panda 4 começa com uma premissa conhecida daqueles familiarizados com longas franquias cinematográficas: a necessidade de substituição do protagonista. Ou seja, é chegado o momento de Po escolher o seu substituto. Essa obrigação, como se percebe, é mais urgente no campo do marketing do que no âmbito da ficção. E se grande parte da trilogia que o antecedeu se concentrava não apenas nas missões a serem cumpridas, mas, sim, no exótico desta presença contrária a qualquer diagnóstico no centro da confusão e no quão inusitado era o seu sucesso a despeito de qualquer probabilidade oposta, é de se imaginar que ele não largaria desse osso, uma vez conquistado após tanto suor, de forma pacífica. Assim, eis que surge uma derradeira aventura em seu caminho, uma que tratará de abraçar sem nem sinal de alerta ou atenção prévia. Se isso não for suficiente para o espectador antecipar que problemas se multiplicarão durante essa jornada, nada mais deverá fazer efeito.

A questão, no entanto, é se estes empecilhos se dão no sentido de movimentar os acontecimentos, ou pelo contrário, como forma de gerar alguma distração capaz de desviar os olhares do público frente ao imenso nada que há a ser dito. O teor deste texto é o bastante para antecipar qual foi o caminho escolhido pelos realizadores. Po tem agora ao seu lado uma raposa, Zhen. No original, sua voz e maneirismos são de Awkwafina, que aproveita para replicar cacoetes empregados em Patos! (2023), A Pequena Sereia (2023) ou Os Caras Malvados (2022), entre outras tantas animações e dublagens que tem feito de forma recorrente nos últimos tempos: diálogos ininterruptos, tiradas de duplo sentido, humor sempre no limite entre o deboche e o elogio (características, aliás, presentes em muitos dos seus personagens live action também). Na versão brasileira, infelizmente, Danni Suzuki se ocupa mais em imitar sua contraparte norte-americana e menos em imprimir sua própria identidade. Mais autoral se mostra Taís Araújo ao assumir a vilã Camaleoa (Viola Davis no original). A segurança que uma exibe é o que falta à outra, gerando um desnível facilmente percebido pela audiência.

Mas está mesmo sobre as costas de Jack Black – ou Lúcio Mauro Filho – sustentar o carisma de Po. Se por um lado a ingenuidade que lhe é tão preciosa gera um preço caro demais a ser pago – e dar a volta nesta traição se revela um dos maiores conflitos do roteiro, pois a gravidade do feito é perdoada quase que sem consequências, minimizando suas implicações e menosprezando o entendimento de qualquer um interessado além de uma primeira camada de leitura – por outro deposita-se em exagero no seu suposto talento em derrotar os oponentes e agilidade em enfrentar os perigos que apresentados. Assim, deixa-se de lado o fato de que se trata de um urso panda, pois o que lhe é intrínseco – e que antes era usado a favor do personagem – agora não só é ignorado, como ele próprio se aproxima de um tipo genérico, como mais um dos tantos super-heróis a inundar as telas. Portanto, tudo que antes era apresentado como diferencial e único, termina por se esvair, resultando em um todo desprovido de personalidade.

Apesar de contar com uma mulher como co-diretora e duas personagens femininas como antagonistas, qualquer esforço no sentido de representatividade também se perde. Elas estão apenas para servir de suporte a uma figura masculina que pouco faz para merecer o lugar de destaque que lhe destinam. A diversidade também é disfarçada. Basta se ater aos pais de Po – o ganso Ping (James Hong, de Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo, 2022) e o urso Li (Bryan Cranston) – que obviamente formam um casal homoafetivo, mas cuja condição nunca chega a ser abordada pelos demais e nem por eles mesmos (são mais apáticos em relação a isso do que os protagonistas de Meu Amigo Robô, 2023). Essa tentativa de tapar o sol com a peneira, verificada em diversos aspectos ao longo de Kung Fu Panda 4, empalidece um resultado do qual pouco se poderia esperar, mas cuja entrega é ainda mais irrelevante. Sem emocionar o bastante para despertar curiosidade nos recém-chegados e incapaz de manter o nível de excitação e irreverência dos seus antecessores junto àqueles que há muito acompanham suas andanças, eis aqui uma despedida inglória de uma criatura capaz de despertar simpatia de imediato, mas desprovida de atrativos que consigam manter essa atenção. E assim que o olhar se desvia, também a memória se apaga, conduzindo o conjunto a um limbo do qual não deverá sair tão cedo.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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