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Sinopse

Doente e desesperado, John Kramer viaja até o México em busca de um procedimento experimental que possa lhe dar esperança de sobrevida. Ao descobrir que foi vítima de um golpe, ele vira o jogo e volta a ser terrível.

Crítica

O temível Jigsaw está doente. John Kramer (Tobin Bell) começa Jogos Mortais X como alguém física e mentalmente fragilizado por um câncer cerebral terminal. Com poucos meses de vida, ele é a presa perfeita ao golpe de uma quadrilha que esconde as suas intenções escusas sob a fachada de uma técnica revolucionária que supostamente ajuda pessoas desenganadas como Kramer. Portanto, há a promessa da abordagem desse sádico que encabeça uma das principais franquias de terror da atualidade como uma vítima. Mas, é bom saber: o diabo, mesmo doente e enfraquecido, continua sendo o diabo. Porém, essa condição médica de Kramer é utilizada somente como uma desculpa para colocá-lo em rota de colisão com os enganadores desalmados que, segundo o seu código moral, devem ter uma segunda chance antes de serem estripados. Leia-se por “segunda chance” o jogo doentio com ares de lição moralista bárbara no qual frequentemente alguém precisa escolher entre a morte e a automutilação. Uma vez criado o cenário para a vingança do protagonista da Saga Jogos Mortais, poucas vezes somos lembrados da condição médica dele. Portanto, a doença agressiva que poderia adicionar um elemento interessante nesse contrarrelógio que demarca a escassez de tempo simplesmente não acontece. O que temos é outra sucessão vazia de estratagemas cruéis num filme pouco corajoso.

Depois do seu ótimo primeiro capítulo, a Saga Jogos Mortais se tornou um desfile cansativo de elaborados dispositivos de tortura. Os criadores partem do pressuposto de que a plateia não está muito atenta à trama propriamente dita, pois apenas comprou o ingresso para testemunhar a inventividade dos instrumentos que Jigsaw utiliza em seus jogos desumanos. E Jogos Mortais X segue essa estratégia de diminuir a relevância das discussões éticas/morais em prol da exibição de um arsenal hipoteticamente angustiante de ferramentas para tortura física e mental. E uma das coisas mais decepcionantes do novo capítulo dessa franquia (que há muito tempo dá sinais de esgotamento criativo) é a camuflagem dos momentos mais visualmente grotescos para não ofender demais a plateia. Oras, estamos falando de um assassino respaldado por um discurso frágil que reivindica a defesa da moral e dos bons costumes como uma desculpa para torturar impiedosamente as suas vítimas. E o que o diretor Kevin Greutert faz com esse material? Trabalha num limiar muito tênue entre a repetição e a previsibilidade, sem ao menos ousar no sentido da apropriação dos signos do gore. Há cenas potencialmente repulsivas, mas se prestarmos atenção chegaremos à conclusão de que o procedimento expositivo se baseia mais na sugestão que no escancaramento. Às vezes a câmera desvia o olhar de toda essa bizarrice.

Jigsaw captura seus algozes e começa um desgastado jogo mental com eles, não dispensando a lengalenga a respeito de dar a segunda chance a todos. Dessa vez ele é auxiliado por Amanda (Shawnee Smith), ajudante que evidentemente está ali para servir como uma aprendiz em vias de herdar a missão que Kramer não poderá mais levar adiante por conta de sua condição médica. Como o filme não enfatiza a contagem regressiva imposta a Kramer pelo câncer, tampouco essa sensação de substituição é desenvolvida durante a trama. No fim das contas, Amanda é apenas a pessoa com mais saúde física que permite a Jigsaw continuar como um mentor intelectual, ou seja, ela assume o papel muscular dos planos macabros. Kramer continua explicando detalhadamente às suas vítimas o que lhes acontecerá se não conseguirem optar pelo caminho menos doloroso (ainda assim excruciante). E a montagem assinada pelo próprio diretor do longa-metragem não consegue criar a tensão necessária para temermos pelas vítimas ou mesmo duvidar do que realmente acontecerá com elas. Quanto mais despersonalizado o coadjuvante for, mais ele inevitavelmente se mutilará em vão antes de ser selvagemente assassinado pelas traquitanas que já tiveram equivalentes bem mais inventivas em capítulos anteriores da Saga Jogos Mortais. Em suma, tudo é muito insosso e sem uma força visual efetiva.

A doença terminal do suspense é a previsibilidade. Conseguir antever os desdobramentos de uma comédia romântica não é um problema significativo, pois esse supragênero não extrai a sua relevância da dúvida (como os suspenses). Jogos Mortais X não exibe aqueles momentos capazes de deixar a plateia de queixo caído, como, por exemplo, uma virada sensacional ou algo que a valha. O andamento da história aqui é totalmente antecipável, o que tira boa parte da graça do filme. Ademais, é preciso voltar àquela ideia da câmera desviando o olhar. O único momento em que Kevin Greutert flerta corajosa e abertamente com o mau gosto é quando uma vítima eviscera o cadáver para utilizar intestinos como correntes. É isso mesmo que você leu. Na cena que chega quase a ser ridícula, ao menos o cineasta não fica tão claramente preocupado com a suscetibilidade da plateia, investindo numa situação que realmente carrega um potencial para afrontar a etiqueta do cinema feito para exibição em multiplexes. E esse pudor totalmente incompatível com um filme que reivindica seu lugar na galeria do gore – o subgênero do horror que aposta numa violência mais explícita – é visível na forma como o realizador constrói as cenas com mais potencial angustiante: fazendo truques de montagem para mostrar apenas de relance a brutalidade, escurecendo a imagem numa auto-craniotomia, mudando rapidamente de plano quando algo grotesco aparece, etc. Pode-se dizer que é uma atitude gore inofensiva e ineficaz.v

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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