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Sinopse
Vinte e sete anos após o primeiro encontro com o terrível Pennywise, Mike percebe que o palhaço está de volta à cidade de Derry. Ele convoca os antigos amigos do Clube dos Otários para honrar a promessa de infância e acabar com o inimigo de uma vez por todas.
Crítica
O livro It: A Coisa, de Stephen King, foi publicado pela primeira vez em 1986. Apesar das absurdas 1.138 páginas, se tornou rapidamente um dos maiores fenômenos do autor, tanto que não tardou para ser adaptado em formato de minissérie para a televisão, em It: Uma Obra-Prima do Medo (1990). A própria estrutura narrativa da trama permitia tal divisão em episódios, pois o enredo se passava em dois momentos distintos: primeiro, com os protagonistas ainda crianças, e depois, com os mesmos já adultos. Ao ser transposta para o cinema, ganhou dois volumes. Como It: A Coisa (2017) se tornou o longa de horror mais bem-sucedido nas bilheterias de todos os tempos – mais de US$ 700 milhões arrecadados ao redor do mundo – não foi surpresa sua sequência ter sido encomendada rapidamente. Porém, por mais que It: Capítulo 2 se esforce em preservar a mesma ambientação do original, chega a ser curioso que justamente a sua inocência tenha se perdido, resultando numa obra fraca e quase sem propósito, que não consegue fazer jus ao sucesso da incursão anterior destes mesmos personagens.
Como é sabido, o palhaço macabro Pennywise aparece a cada 27 anos para aterrorizar as crianças da pequena cidade de Derry, no interior norte-americano. Bom, este é também o intervalo de tempo entre It: A Coisa e It: Capítulo 2. Agora, os integrantes do Clube dos Otários estão crescidos, e por mais que tenham esquecido dos traumáticos eventos vivenciados na infância, seguem como adultos infelizes. Bill Denbrough (antes Jaeden Martell, agora James McAvoy), que havia perdido o irmão Georgie, se tornou escritor e roteirista em Hollywood, porém incapaz de entregar finais satisfatórias às suas histórias, ao mesmo tempo em que é explorado pela esposa, uma atriz que se aproveita do material criado por ele para investir na carreira. Richie Tozier (antes Finn Wolfhard, agora Bill Hader) é um comediante de stand up em conflito com a própria sexualidade. Eddie Kaspbrak (antes Jack Dylan Grazer, agora James Ransone), o hipocondríaco, virou um especialista em seguros, enquanto que o gordinho Ben Hanscom (antes Jeremy Ray Taylor, agora Jay Ryan) não só cresceu, como apareceu: além de ser um arquiteto e empresário de fama internacional, emagreceu e adquiriu pose de galã – o que não o impediu, no entanto, de seguir sozinho na maior parte do tempo.
Restam outros três. Beverly Marsh (antes Sophia Lillis, agora Jessica Chastain) é dona de uma marca de cosméticos e bem casada com seu marido e sócio, mas isso não passa de aparências: o relacionamento é abusivo. Stanley Uris (antes Wyatt Oleff, agora Andy Bean) segue com os mesmos medos de antes, mesmo sem ter a noção exata do que o persegue há tanto tempo, enquanto que Mike Hanlon (antes Chosen Jacobs, agora Isaiah Mustafa) é aquele que permaneceu na cidade natal de todos – e, por isso mesmo, é o único a ter mantido vívidas as memórias do que viveram juntos. Assim que surgem indícios de que Pennywise (Bill Skarsgard, com mais tempo em cena e menos restrições ao exagero) está de volta, é ele que irá convocar os antigos amigos a cumprirem o que haviam prometido há quase três décadas. Anos podem ter se passado, os protagonistas são, agora, adultos bem formados, mas muito pouco faz de cada um deles diferentes de suas versões mirins. E como poderia não ser assim, se passaram a maior parte deste período negando o que testemunharam? Ou seja, tem-se apenas a repetição da fórmula, do mesmo grupo de volta ao poço, mais uma vez munidos apenas com a força de vontade – e um pouquinho mais de conhecimento – para darem, de uma vez por todas, um fim a uma ameaça que não se sabe de onde veio, e muito menos o que pretende.
Aliás, é provável que este seja o maior deslize do longa dirigido por Andy Muschietti (que também havia comandado o Capítulo 1): uma atenção demasiada ao ‘lado do bem’ e um quase desprezo ao ‘lado do mal’. Ou seja, Pennywise segue como uma imagem assustadora, mas não mais do que isso: uma superfície, portanto, sem profundidade ou relevância. Há vislumbres de sua origem, talvez indícios de familiares, mas essas são apenas cogitações, pois nada nesse sentido é encarado com maior detalhamento. Por outro lado, o enredo passa a maior parte do seu desenvolvimento se ocupando dos sete integrantes do Clube dos Otários, estejam eles juntos – em sequências que vão da comédia ao terror, do drama romântico ao besteirol – ou separados – em construções episódicas, mais próximas a um seriado televisivo, servindo apenas para distanciar o conjunto da coesão fílmica desejada. Nomes como McAvoy, Chastain e Hader são destaques naturais, mas chamam atenção também o comprometimento de Ransone (quase uma encarnação da sua contraparte infantil) e Ryan (uma aposta arriscada, que apesar de não guardar resquícios físicos com seu colega de personagem, consegue manter o olhar e a empatia daquela que talvez seja a figura mais interessante deste conjunto.
Há outras questões problemáticas em It: Capítulo 2 que não podem ser ignoradas, e mesmo estando posicionadas de forma paralela ao texto principal, atrapalham a fluidez do todo, tamanho é o ruído que causam. Pra começar, logo no início o público é apresentado a um caso de homofobia, no qual os agressores escapam ilesos e a vítima acaba pagando um alto preço por ‘estar no lugar errado, na hora errada’. Mais adiante, há uma situação de abuso marital, e a solução apresentada é da violência em escala, nos moldes de ‘vamos ver quem grita mais alto’. Homossexualidade, misoginia e racismo são temas recorrentes em cena, porém empregados de forma gratuita, sem a função narrativa que lhes caberiam. O discurso, portanto, se apresenta datado e supérfluo, envelhecido em seus argumentos e gratuito no formato, desprezando uma relevância que teria muito a lhe oferecer. Assim, a ameaça de um palhaço não teria outro fim a não ser o ridículo, o pequeno, o desprezível. Uma saída até mesmo tola, dentro de uma previsibilidade que empalidece ainda mais uma ideia que havia começado de forma tão auspiciosa, mas termina por tropeçar nos próprios pés – e na ambição (ou seria cegueira?) dos seus realizadores.
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