Crítica


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Sinopse

Em meio a uma crise matrimonial que parece não oferecer alternativas, senão a separação, o paisagista londrino Will tem seu escritório assaltado. O episódio o leva a conhecer uma refugiada viúva por quem acaba se apaixonando.

Crítica

Tem um ditado que diz: "um passo para trás, às vezes, não significa necessariamente um retrocesso; pode ser, sim, o movimento preciso no sentido de criar impulso para seguirmos em frente". E este pensamento parece se aplicar perfeitamente ao derradeiro trabalho do premiado diretor Anthony Minghella, Invasão de Domicílio . Apesar de ser bem menos ambicioso que os últimos longas dele, tem resultados artísticos superiores. Um elenco excelente, uma direção cuidadosa e nunca intrometida e uma boa história são mais do que suficientes para entregar ao público uma obra que merece ser descoberta.

Ao contrário dos épicos O Paciente Inglês (que lhe valeu o Oscar) e Cold Mountain, em Invasão de Domicílio Minghella procura um caminho mais ousado e perverso, com protagonistas de personalidades difusas e com subtramas nada fáceis ao espectador preguiçoso, que espera que tudo seja disposto na tela de mão beijada. Aqui se exige esforço, dividindo com a audiência a tarefa de entender e analisar as ações, sem porém a necessidade de um julgamento moral. O que vemos são pessoas comuns, com seus problemas e angústias, envolvidas em situações igualmente ordinárias, mas que quando vistas com cuidado revelam mais do que as conclusões óbvias podem oferecer. Assim como em O Talentoso Ripley (ainda o melhor filme do cineasta na minha opinião), este novo longa se baseia basicamente na força dos atores e na precisão certeira do enredo em atingir a visão proposta. Para não ter margem de erro, Minghella chamou dois antigos colaboradores, Jude Law (visto tanto em ...Ripley quanto em ...Mountain, e indicado ao Oscar pelas duas atuações) e Juliette Binoche (premiada com o Oscar por O Paciente...). Os dois, em desempenhos impecáveis, aparecem ao lado de uma intensa Robin Wright, formando um trio acima de qualquer suspeita.

Law e Wright são um casal em crise. Ele é um arquiteto bem sucedido, que recém abriu sua firma. Ela abandonou o trabalho para cuidar da filha, que possui uma estranha e rara doença. A menina, apesar de não ser dele, recebe tanta atenção quanto se fosse sua. Mesmo assim, mãe e filha compõem um mundo muito particular, excluindo-o com uma força crescente. Quando o novo escritório passa a ser arrombado regularmente, ele decide permanecer à noite como vigia, escondido dentro do carro, para ver quem está lhe causando tanto prejuízo. Quem ele encontra é um garoto habituado a escalar prédios. Pego no flagra, o rapaz foge em disparada. Mas a perseguição tem fim em frente ao condomínio onde mora com a mãe (Binoche), uma exilada da Bósnia, que tenta criar sozinha o filho, visto a ausência paterna.

O arquiteto decide investigar com calma o que acontece ali, e antes que perceba estará envolvido romanticamente com a mãe do pequeno delinquente. Mas quando ela descobrir as primeiras intenções dele, será capaz de tudo para defender a honra familiar. Se o modo como os personagens parecem interagir entre si soa um pouco forçado, na tela tudo discorre numa convincente naturalidade. É totalmente compreensível que Law, mesmo apaixonado pela própria mulher e por aquela família em que insiste em fazer parte, acabe se envolvendo com uma outra pessoa, certamente menos atraente a ele tanto intelectual quanto fisicamente, porém capaz de lhe oferecer algo que carece, a oportunidade de ser importante para alguém. Tal relação está fadada ao fracasso desde o início, mas acreditamos na sua veracidade e apostamos no sucesso da empreitada, mesmo sabendo que esta é uma rota sem saída. A conclusão, entretanto, tão dolorida quanto precisa, é um arroubo de realidade que nos joga de volta à sociedade como a conhecemos, com méritos e defeitos, mas acima de tudo feita a partir das decisões que tomamos diariamente.

Anthony Minghella, também autor do roteiro, faz de Invasão de Domicílio um curioso, pertinente e sagaz estudo do comportamento humano e das relações que se formam entre vítimas e heróis, privilegiados e carentes. Lançado internacionalmente no final do ano passado, passou injustamente em branco pelas grandes premiações, tendo conseguido apenas três indicações ao British Independent Film Awards (Atriz, para Binoche e Wright, e Revelação, para Rafi Gavron, que interpreta o filho de Binoche). Isso, somado ao desempenho ínfimo nas bilheterias (menos de um milhão de libras na Inglaterra e pouco mais de 300 mil dólares nos Estados Unidos), fará com que esta pequena preciosidade saia de circulação muito antes de ter tido uma chance de o público descobri-la. Com sorte, entrará em cartaz no Brasil. E mais felizardo será aquele que for atrás com o intento de desfrutá-la em todo o seu potencial. Qualquer esforço será mais do que compensado, pode apostar.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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