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Sinopse

Um jovem sonha em se tornar ator, mas tem medo de precisar beijar outras mulheres em cena e criar problemas com a namorada. Uma jovem sonha em se tornar estilista, mas tem receio de morar junto da colega, uma pintora famosa e mais bonita do que ela. Ambos se opõem aos planos profissionais de suas mães, que imaginam um futuro diferente para eles.

Crítica

Jeongsoo é amigo de Youngho, que ama Juwon, que se muda para Berlim. Youngho sonha em ser ator, mas tem medo da profissão. Juwon sonha em ser estilista, mas receia as dificuldades da carreira. Em Introduction (2020), Hong Sang-soo prepara uma ciranda tragicômica formada por pessoas de classe-média, fracassadas ou se sentindo como tais. O cineasta sempre foi apaixonado pelas figuras que esperam longos minutos no consultório do dentista, ou aguardam uma hora deitados no divã enquanto o médico atende outra pessoa ao lado. Nenhuma reviravolta acontecerá a qualquer personagem: eles preferem andar a esmo pelas ruas, reclamar de suas vidas, e então fazer uma pausa para o cigarro e comentar sobre a forma estranha de alguma árvore. Ao longo de seu percurso, o sul-coreano tem buscado obsessivamente pela beleza do banal, das conversas de elevador e dos encontros triviais. “Faz tanto tempo, né?”, Youngho afirma à secretária do pai, sobre o reencontro entre eles. “Pois é, muito tempo”. Eles fumam um cigarro em frente ao consultório. “Muito tempo mesmo, né?”, ele insiste. “Sim, muito tempo”, ela confirma. O tipo de desconforto evitado pela maioria dos cineastas constitui o material de trabalho deste longa-metragem.

O filme traz uma configuração de som, luz, espaço e tempo simplíssimas, próxima de uma produção caseira – para o bem ou para o mal. Sang-soo, também diretor de fotografia de suas obras (e roteirista, produtor, compositor e montador) investe no digital de baixa qualidade, do tipo que produz imagens realmente pixelizadas, além de gerar contrastes extremos de luz. Nas cenas externas, a claridade transforma o céu num grande borrão branco. Os detalhes das roupas e dos cenários, o volume das sombras e das profundidades de campo se perdem. O cineasta opta por uma imagem assumidamente “lavada”, em luzes naturais. Esta escolha condiz com a temática do cotidiano – afinal, seria ilógico enfeitar a simplicidade com inúmeros filtros, refletores e rebatedores. As cenas se alongam, porém sem malabarismos da câmera: em geral, dois ou três personagens conversam em cada fragmento, enquanto a imagem enquadra o rosto do protagonista, do colega, então efetua um zoom out para filmá-los em plano de conjunto, voltando a se aproximar de algum detalhe da mão. Sang-soo decupa enquanto filma, numa arte que beira o fino artesanato do cinema. Seria justo comparar este tipo de projeto com um bordado rebuscado, ou uma ótima literatura de cordel. Os traços de aparência simples escondem o domínio da manufatura.

Ao contrário de A Mulher que Fugiu (2020), que efetuava uma intricada rede de histórias dentro da história, uma fazendo referências à seguinte, esta produção opta por construção e estrutura convencionais. A duração sucinta de 66 minutos se divide em três atos onde os jovens personagens se confrontam às gerações mais velhas. Ao fim de cada ato, descobrimos relações de parentesco e namoro entre figuras reveladas previamente. Por um lado, segue-se um caminho linear, costurando meia dúzia de personagens numa história única. Por outro lado, nota-se a liberdade de oferecer a cada um deles bifurcações no espaço-tempo: um personagem que caminha pela praia será encontrado dormindo no instante seguinte, sem sabermos ao certo qual cena aconteceu antes ou depois, ou se uma corresponde ao sonho da anterior. Pouco importa: o roteiro evita relações de causa e consequência, privilegiando associações entre temáticas recorrentes e gags visuais (o cigarro que não se acende, a sucessão de bebidas no restaurante). Seria possível remontar este projeto em nova ordem, sem perda de sentido.

No que diz respeito à profissão artista, o cineasta fornece um olhar melancólico. Após revelar um ator com dificuldade de atuar, uma estilista sem convicção de sua carreira e uma pintora que jamais vemos pintando, ele se volta a um ator famoso (Ki Joobong), ferozmente apaixonado pelo que faz. A grande defesa da arte por parte deste personagem, embriagado e aos gritos, constitui o clímax da história, como se a baixa autoestima pudesse ser chacoalhada pela insistência dos mais velhos. Introduction opõe uma geração letárgica e covarde ao incentivo agressivo de pais e mentores. É possível enxergar um empurrão do cineasta de 60 anos de idade, e com quase 30 filmes na carreira, à nova leva do audiovisual (chega a ser curioso que a grande atriz Kim Min-hee, de 38 anos de idade, seja incluída na galeria dos “veteranos” dentro da trama). Em paralelo, o diretor evita relacionar a juventude à comunicação virtual, ágil e pop, desenhando um grupo de pretensos artistas nostálgicos pelo tempo que não viveram. O projeto pode ser considerado pessimista, ainda que possua bom senso de humor quanto à onda derrotista.

Por fim, dentro da carreira prolífica do sul-coreano, é improvável que este filme venha a ocupar uma posição de destaque. Produção de baixíssimo orçamento (até para os padrões modestos do cineasta), elaborada certamente em pouco tempo, com cenários restritos e meros seis personagens, ela se assemelha a estas pequenas obras que Sang-soo realiza no intervalo entre projetos maiores, talvez para se manter em movimento e testar recursos que venha a colocar em prática nas obras seguintes. Enxergando-o dentro de uma filmografia mais extensa, revela-se coeso com as iniciativas anteriores em termos estéticos e narrativos. No entanto, o diretor se contenta com uma espécie de crônica sem moral, nem fortes ambições. A atenção do diretor ao despojamento dos corpos é louvável, e poucos artistas iniciantes conseguiriam alterar enquadramentos dentro do plano com tamanha fluidez. No entanto, esta seria um gesto de reconforto no qual o criador não desafia a si mesmo, nem aos atores. Sang-soo estabelece um processo de criação contínua: todas as histórias parecem habitar um universo único, onde um personagem poderia encontrar aquele de outras tramas, e todos almoçariam juntos, bebendo muito álcool e lamentando as suas vidas. Introduction aparenta ser menos uma obra autônoma do que o capítulo discreto de uma obra maior.

Filme visto online no 71º Festival Internacional de Cinema de Berlim, em março de 2021.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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