Crítica


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Um Rio de Janeiro longe dos cartões-postais. Um jovem que passa seus dias trancado dentro de casa, à base de toddynho e miojo. Uma mulher que abandona sua vida para começar tudo de novo ao lado de quem ama. Um homem em busca de um sonho, mesmo que não seja totalmente comprometido com aquilo que já conquistou. Esses são os personagens de Intimidade Entre Estranhos, talvez o filme mais pessoal de José Alvarenga Jr., que há pouco tempo esteve nas telas com o poderoso 10 Segundos Para Vencer (2018), interrompendo um jejum de quase uma década afastado dos cinemas (desde Cilada.com, 2011, tem se dedicado quase que exclusivamente à televisão). E se este trabalho mais recente não se revela tão bem equilibrado quanto o projeto anterior, ao menos tem o mérito de investir em algo menor, mas não menos ressonante.

Em um cenário cada vez mais dominado por grandes produções desesperadas em atingir a maior fatia de público possível, Intimidade Entre Estranhos é um filme que parece satisfeito em suas proporções diminutas. É menor, mas não insignificante – longe disso, a bem dizer. E isso porque se propõe a discutir questões que normalmente passam desapercebidas, mas com as quais qualquer um, em um momento ou outro, precisa aprender como lidar. Maria (Rafaela Mandelli, exalando intensidade) é apaixonada, ainda que inconstante. Ela se atira de cabeça, sem muitas vezes perceber que está nadando em uma piscina rasa, e que qualquer mergulho mais profundo terminará por machucá-la. Pedro (Milhem Cortaz, longe dos estereótipos que volta e meia lhe cabem, construindo um tipo dono de uma complexidade muito própria) é um ator que, apesar de ter começado nos palcos paulistas, assim que foi chamado para uma telenovela na capital carioca decide abraçar a oportunidade sem olhar para trás. E Horário (Gabriel Contente, dando indícios que o melhor ainda está por vir), aquele que mora sozinho no andar de cima, está louco por conexão. Qualquer uma. Mesmo que isso lhe custe a tristeza a qual parece tão afeito.

Ao redor está uma cidade que não parece pronta para o que eles precisam. É quente demais, longe demais, cheia demais. As válvulas de escape são iguais a todos – o futebol, a música, a balada – mas satisfazem apenas por um período limitado. Assim que passam, as carências retornam, e mais urgentes do que antes. Alvarenga sabe que o forte do seu filme são os personagens – e, mais do que isso, o carinho que sente por eles. Portanto, abre espaço para que os três possam ocupar seus espaços. Maria e Pedro estão tentando construir uma nova relação, após todos os desgastes que já enfrentaram. Remédios, abandonos, traições: está tudo ali no menu da história que compartilham, prontos para serem descartados – ou usados como desculpa – a qualquer deslize ou acerto do outro. E se mesmo juntos se sentem sozinhos, o que dizer do vizinho que mais nada tem?

A primeira sequência de Intimidade Entre Estranhos resume bem o que está por vir. Maria está feliz, radiante, no telefone com o amado, deixando um recado de que se encontra no aeroporto de São Paulo, pronta para embarcar rumo ao seu encontro. O corte é brusco, e a cena seguinte é dela já no Rio de Janeiro, com os olhos marejados, engolindo um choro de decepção: ele não foi buscá-la. A viagem foi para estar com ele, mas no primeiro passo em falso, se sente derrotada. Talvez nem tenha ocorrido tempo hábil para ele ouvir a mensagem, se desvencilhar do que estava fazendo e ir à sua espera. Mas não importa. Ela sabe que há algo errado. E enquanto não fizer de tudo ao seu alcance para confirmar essa intuição, não irá descansar. O que ela enfrenta agora, Horário viveu tempos atrás. O coração partido, as pessoas queridas que se foram, as apostas que não se concretizaram. Dois quebrados, juntos, não chegam a formar um inteiro. Mesmo assim, estão mais próximos de estarem completos agora do que antes.

É bonita a forma como o diretor se debruça sobre os problemas cotidianos dos seus personagens. Tudo surge, no entanto, a partir do olhar um tanto pueril de Matheus Souza, autor do roteiro, que propõe soluções fáceis demais para problemas complexos. Falta maturidade a um texto que é tratado com mais respeito tanto por quem o conduz como por aqueles que se esforçam em defendê-lo frente às câmeras. Figuras desperdiçadas – a presença de José Dumont é tão descartável quanto injustificável – e reviravoltas que servem apenas para comprometer o bom andar dos acontecimentos – a conexão entre Maria e Horácio não deve ser confundida com sonhos adolescentes – acabam por prejudicar um conjunto que tinha tudo para ser exemplar. Material para tanto, Intimidade Entre Estranhos tem a seu dispor. Falta a coragem de ser mais do que mera diversão, firmando-se como dor e alegria, e não mera ilusão passageira.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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Robledo Milani
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Francisco Carbone
5
MÉDIA
5.5

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