Crítica


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Sinopse

Um biólogo molecular perde quem ele considerava o amor de sua vida. Na companhia de sua colega de laboratório, começa a pesquisar um modo científico de trazê-la de volta.

Crítica

Para alguém que se ordena apenas com base em dados comprovados, é remota a possibilidade de um mundo espiritual, pura e simplesmente porque não se pode obter certeza de sua existência. Já a religião funda-se na fé, ou seja, na crença que prescinde de informações estatísticas ou algo que as valha. O doutor Ian Gray (Michael Pitt), protagonista de O Universo no Olhar, filme do cineasta Mike Cahill, não crê em algo além da ciência, mesmo após encontrar uma nova paixão aleatoriamente, em virtude de uma série de eventos que poderia ser mapeada, com certeza, mas dificilmente tabulada como nos processos científicos. Por meio dos olhos dela, consegue encontrá-la pela internet, num procedimento relativamente simples para quem está acostumado a solucionar complexas composições celulares, reações químicas e afins.

Supersticiosa, Sofi (Astrid Berges-Frisbey) é a dona dos olhos que Ian buscava. Temos, então, duas pessoas com perspectivas opostas de vida, mas que, talvez por isso mesmo, se atraem. Essa relação pode soar incialmente como repetição de um velho e desgastado clichê – o da mulher extrovertida que surge para mudar a vida do homem introvertido e turrão – mas revela a que veio mais adiante, a partir de uma reviravolta. Mesmo saudoso de seu breve amor, Ian não apresenta a melancolia que provavelmente o caracterizaria numa produção mais açucarada. O que está em jogo é a afinidade entre dimensões primeiro excludentes, mas que depois, e cada vez mais, aparecem no mínimo enquanto faces distintas de uma mesma moeda. Descobrir olhos exatamente iguais, o que até então era considerado impossível, mesmo por Ian, um especialista da área - e a íris nos torna únicos -, rompe com paradigmas científicos e abre espaço para questionamentos de outra ordem.

Há coincidências que empurram a trama de O Universo no Olhar adiante. Forçando um pouco a barra, isso poderia ser justificado como parte orgânica de uma narrativa debruçada mesmo sobre aleatoriedades, destino, enfim, em coisas que (ainda?) não dominamos por meio do conhecimento. Contudo, as inconsistências estão mais para percursos facilitadores preenchendo lacunas. Felizmente, nada que desvie muito o foco maior de interesse deste filme que desenvolve sua verdade numa camada abaixo da superfície. Assim, as relações do protagonista com os demais personagens têm importância reduzida se comparados aos conflitos dele, a essa luta interna entre preceitos que estabelecem a razão como guia, e a evidência de que há coisas simplesmente inexplicáveis.

O cineasta Mike Cahill não propõe uma visão unilateral. Não é pró-ciência, nem pró-fé, pois parece mais interessado em trafegar pelas possibilidades que ambas oferecem ao refutar respostas categóricas. O Universo no Olhar não é um grande filme porque lhe falta certa maturidade narrativa para lidar com a potencialidade do tema. Contudo, o saldo ainda assim é bastante positivo, pois ao invés de ficar atrelado ao romance perdido de Ian, à exploração rasa de sua busca por uma compreensão mais ampla, ele propõe uma ideia interessante de comunhão, como se no fundo ciência e sobrenatural fossem partes indissociáveis de um todo (que todo?), apenas operando em frequências diferentes.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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