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Sinopse

Lutando para sobreviver e se virando com pequenos trabalhos, o jovem Erasmo alimenta uma paixão: o rock and roll. Fã de Elvis Presley, aprende a tocar violão e passa a perseguir a ideia de viver da música. Misturando talento e um pouco de sorte, conquista a admiração do apresentador de TV Carlos Imperial e através dele conhece o cantor Roberto Carlos, com quem começa a compor diversas canções. A parceria dá certo e o sucesso logo chega, transformando para sempre sua vida.

Crítica

Há dois momentos distintos e bastante delimitados, inclusive do ponto de vista narrativo, em Minha Fama de Mau, cinebiografia do compositor e cantor Erasmo Carlos. O primeiro, dedicado ao percurso ascendente que levou o jovem sonhador do bairro da Tijuca, no Rio de Janeiro, a se tornar um dos artistas mais conhecidos do Brasil, é vibrante, possui recursos visuais curiosos, como o congelamento instantâneo de imagens reticuladas – semelhantes às das histórias em quadrinhos –, e ritmo contagiante. O segundo, que marca a vertiginosa decadência, é moroso, de tom empenhado em conferir peso dramático a uma derrocada que, no entanto, não é sequer delineada com o charme antes presente. A quebra é intencional e visa, principalmente, demarcar fases díspares. Todavia, se a metade inicial se desenvolve a contento, capturando a energia juvenil transformada em arte e lucratividade, a segunda expõe a falta de profundidade da abordagem dos infortúnios e percalços.

Chay Suede dá conta do recado ao transportar às telonas a paixão de Erasmo pela música, especialmente o rock and roll norte-americano. Desempregado, vivendo com a mãe numa humilde casa de cômodos, ele frequentemente recorre ao caminho da contravenção para conseguir dinheiro, vide o roubo de cobre na propriedade abandonada, ou a fim de ter acesso à arte, haja vista o  surrupio do vinil de preço além de suas posses. Entre os amigos do período está Tião Maia (Vinicius Alexandre), adiante amplamente conhecido como Tim, o Síndico, aquele que empolgou as massas do Leme ao Pontal. Porém, esse vínculo importante é explorado burocraticamente, com um ensinando acordes ao outro e pílulas esparsas da personalidade marcante de Tim Maia, aqui sustentada apenas na falta de paciência e na inclinação aos palavrões. O elo com Roberto Carlos (Gabriel Leone, ótimo no papel) é principiado de maneira um tanto forçada, mas valorizado ao longo de toda a trama como imprescindível à vida e à obra do protagonista.

Minha Fama de Mau, a despeito dessa falta de vontade de mergulhar nas minúcias dos acontecimentos, demonstra uma inclinação considerável por oferecer contextos históricos amplos. São comuns no longa-metragem as imagens de arquivo entremeadas com suas devidas reproduções cinematográficas, o que cria um efeito nostálgico e amplifica a sensação de veracidade. Como não poderia deixar de ser, o filme é recheado de sucessos, especialmente os escritos e/ou cantados pelo Tremendão. Contudo, no mais das vezes, os hits estão empilhados em números que visam reproduzir apresentações do programa Jovem Guarda, numa dinâmica repetitiva que logo gera mesmice. Apesar disso, é louvável o esforço do elenco que realmente entoa as canções, com destaque para a energia de Chay ao mimetizar os trejeitos de Erasmo, de Leone ao igualmente encarnar Roberto, sem qualquer resquício de caricatura ou imitação, e Malu Rodrigues, que não faz feito como Wanderléa, a caçula do trio, mesmo relegada a uma posição bem periférica.

Dentre as boas sacadas de Minha Fama de Mau, está a utilização de Bianca Comparato. Ela interpreta várias mulheres que passaram pela vida de Erasmo Carlos, assim criando um leve, mas valoroso, descolamento da realidade. O mesmo pode ser dito da quebra da quarta parede, da literal saída de ídolos dos pôsteres na parede para auxiliar o protagonista a contar a própria história, não por acaso, recorrentes na criativa metade inicial, quase completamente ausentes na quadrada derradeira. Passando displicentemente por episódios relevantes, como a mudança de época que levou ao ocaso da Jovem Guarda, bem como do Iê Iê Iê, insuficientemente mencionada por meio do clipe recheado de figuras como Caetano Veloso, Gilberto Gil e Os Mutantes, o filme, embora eficiente no que tange ao painel da época retratada, acaba se perdendo numa romantização excessiva, responsável por atenuar as áreas cinzentas, o que explica o desequilíbrio em parte compensado pelo bom trabalho do elenco.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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