Crítica
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Sinopse
No cerrado brasileiro, habitam lobos-guarás e bandeirantes.
Crítica
Uma esquina qualquer de uma cidade anônima. Lugar e cenário não parecem ser importantes. As pessoas passam, e pouco lhes chama atenção o que está ao redor. Estão atrasadas, ocupadas consigo mesmas, preocupadas com o que farão depois ou com o caminho que ainda tem pela frente. Assim se parecem, até que um homem passa pelo local. Ele é o único a notar o que ali está exposto. Um grande mural, com a imagem de um lobo-guará, animal nativo do Brasil e atualmente em perigo de extinção. O estranho congela, seus passos não mais o levam a lugar algum. Está hipnotizado diante do desenho, que o absorve e o transforma. Assim começa Guará, curta-metragem de Fabrício Cordeiro e Luciano Evangelista, selecionado para a mostra competitiva nacional do 23o Cine PE, em Recife. O inesperado que estas primeiras imagens provocam serão perseguidas durante todo o desenrolar da trama. Se alcançadas ou não, essa é uma questão que parece estar mais com a audiência do que com os realizadores.
Pois o mais curioso, aqui, é tentar descobrir se o que poderia ser visto como problema para um não é justamente o acerto de outro. Guaráestá longe de ser um filme perfeito. Mas é uma obra que se encaixa dentro de uma proposta. Assume uma estrutura que busca se encaixar dentro de um gênero bastante específico, o terror e a fantasia, porém ligados ao imaginário local. Lendas e folclores tipicamente brasileiros se confrontam com arquétipos clássicos do horror. Algo de muito ruim está prestes a acontecer. Mas se daria apenas no âmbito da ficção, ou a própria estrutura pela qual o enredo se sustenta também possui o objetivo de revelar essas precariedades?
Um lobo-guará corre solto pela rua. A cena é bonita, ainda que selvagem. Não se sabe se o animal está perdido ou em busca de alguém. Quer se esconder ou se mostrar? Ao se recolher a um beco escuro, a primeira opção parece mais razoável. Porém, a bola de um garoto acaba rolando até ele. E quando a criança vai ao seu encontro, a tragédia anunciada se confirma. O lobisomem – ou seria ‘guaráhomem’ – tem sua primeira vítima. Seriam sequências fortes, porém dentro de uma imagética compreensível. Só que, quando o ser fantástico volta a ser visto, não é mais o bicho de antes. Muito menos o homem do começo. Agora, o que é oferecido para a audiência é uma fantasia canhestra de lobo, obviamente vestida por um ator esforçando-se para ser convincente, tarefa essa que não executa sem perpassar pelo risível. Uma coisa, no entanto, é certa: o choque foi dado.
Entre uma cena longa – até demais para o formato escolhido – de dois policiais de vigia, que falam das férias, da família e outras coisas sem importância para o momento – e um plano-sequência que parece mais capricho estético do que uma necessidade narrativa, a fera segue fazendo suas vítimas. Enquanto isso, o espectador seguirá se perguntando como os figurantes não se desmancharam de rir diante de figurino tão patético. A falsidade ganha o centro do discurso. Quão mentiroso é um filme fantástico sobre um mito europeu no centro do Brasil? A cena final, no entanto, eleva a discussão a um outro patamar. O uivo ainda tem peso e relevância. Constrangedor ou merecedor de aplausos, ele precisa ganhar voz. O aviso está dado.
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