Berlinguer: A Grande Ambição

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Sinopse

Em Berlinguer: A Grande Ambição, Enrico, líder do Partido Comunista Italiano (PCI), o maior partido comunista do Ocidente nos anos 1970, movido pela ambição de construir o socialismo na democracia, desafiou os dogmas da Guerra Fria e de um mundo dividido. Durante cinco anos, o PCI tentou chegar ao governo, dialogando com o maior partido do país, a Democrazia Cristiana. Biografia/Drama/História.

Crítica

Berlinguer: A Grande Ambição, longa escrito e dirigido por Andrea Segre, tem grandes méritos, mas talvez o menor seja oferecer um olhar sobre um dos nomes mais importantes da política italiana no Século XX. Até porque não é a primeira vez que o cinema se debruça sobre a trajetória dessa personalidade e os impactos de suas ações quando vivo. A ficção Berlinguer, Eu Te Amo (1977), com Roberto Benigni, já tirava proveito de sua força imagética, recuperada com efeito em documentários como L’addio a Enrico Berlinguer (1984), feito logo após a morte do ativista, ou Quando c’era Berlinguer (2014), que chegou a ser indicado ao Prêmio David di Donatello (o “Oscar” da Itália). Portanto, se Segre tem o pioneirismo de propor uma cinebiografia mais tradicional a respeito de tão emblemática figura, muito desse acerto está nas escolhas de Elio Germano para viver o protagonista e em Jacopo Quadri para assumir a montagem da obra. Os desempenhos de ambos são suficientes para elevar um produto até então ordinário a um nível acima de qualquer expectativa.

Andrea Segre foi indicado também ao David por sua estreia ficcional com o drama Io Sono Li (2011). Mais de uma década depois, ele enfim voltou à maior premiação do cinema italiano com Berlinguer: A Grande Ambição, e dessa vez em dose tripla, concorrendo a Melhor Filme, Direção e Roteiro Original. De um total de 15 indicações recebidas na cerimônia de 2025 – o campeão de lembranças, empatado com Parthenope: Os Amores de Nápoles (2024), de Paolo Sorrentino – ganhou em apenas duas categorias, e não é surpresa constatar que os agraciados foram… Germano e Quadri. O intérprete acostumado a desaparecer sob a imagem do cidadão comum em títulos como A Ternura (2017) ou A Incrível História da Ilha das Rosas (2020) oferece seu contorno a um tipo altamente reconhecível ao público de sua terra natal, mas o faz com tamanha propriedade a ponto de torná-lo irreversivelmente seu. O Berlinguer que enverga é tanto o pai de família e marido apaixonado, que cozinha para os filhos e se constrange com as lembranças de sua infância ofertadas pela mãe, como o líder capaz de envolver multidões ou desafiar opositores tanto no seu país, como no exterior. É mais por ele, e menos por uma narrativa por demais presa aos fatos, que o filme cresce.

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Isso tampouco adiantaria não fosse a destreza demonstrada por Jacopo Quadri, um dos mais tarimbados montadores em atividade no cinema atual, em organizar esse gigantesco e elaborado quebra-cabeça, combinando desde cenas reais e registros jornalísticos com a dramaturgia proposta. Editor experiente, parceiro de Bertolucci em sucessos como Os Sonhadores (2003), tendo passado até pelo cinema brasileiro com o consagrado Bicho de Sete Cabeças (2000), Quadri soma nada menos do que 14 indicações ao David (havia ganho apenas uma vez até então, por Teatro di Guerra, 1998), e com justiça foi reconhecido pela excelência do seu trabalho em Berlinguer: A Grande Ambição. É o seu esforço que torna capaz acompanhar uma jornada de muita discussão e poucos feitos práticos, num tempo mais idílico – e até mesmo inocente – que acreditava ser capaz de mudar o mundo pelo diálogo, sem agressões ou condenando violências. Um ideal que parece ter morrido junto com homens como Enrico Berlinguer.

Por mais que passe a maior parte do tempo pontuando momentos importantes da vida do biografado, o roteiro escrito por Segre em parceria com Marco Pettenello (Cidadãos do Mundo, 2019) pouco consegue ir além de uma visita ilustrada pela wikipedia. Há meandros que são por demais específicos – o modo como a população da Itália dos anos 1970 viam dos declarados comunistas, bem diferente da imagem de ‘bicho-papão’ desenhada pela influência norte-americana na maior parte do Ocidente – e outros que parecem fazer sentido somente àqueles que tenham consigo informações prévias (italianos, portanto). Aos demais, que estão somente agora tomando conhecimento desse homem e de sua luta, as lacunas existem, mas não a ponto de impedir uma aproximação. Berlinguer: A Grande Ambição, portanto, cumpre seu papel como porta de entrada a uma vida feita de sonhos e aspirações por uma realidade mais justa, equilibrada e coletiva, sem nunca esquecer do indivíduo. Parece devaneio. Mas há poucas décadas, esse era um debate possível. Um filme como esse serve, acima de tudo, de testemunho de que tal luta era válida, mas também como prova do quão profundo é o caos onde agora esse debate se encontra.

Filme visto durante a 12a 8 ½ Festa do Cinema Italiano, em junho de 2025

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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