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Sinopse

Em Golpe de Sorte em Paris, de Woody Allen, Fanny e Jean parecem o casal ideal – ambos são profissionalmente bem-sucedidos, vivem em um apartamento lindo em um bairro exclusivo de Paris, França, e parecem estar tão apaixonados quanto estavam ao se conhecerem. Mas quando Fanny esbarra acidentalmente em Alain, o antigo colega de escola, ela fica encantada.

Crítica

Você já viu isso antes. Mas era melhor? Eis a questão. Se a referência que despontar na mente do espectador de Golpe de Sorte em Paris durante a exibição do filme for de um outro título igualmente assinado por Woody Allen, é bastante provável que a anterior tenha sido mais marcante, melhor desenvolvida, até mesmo surpreendente. Porém, se a lembrança provocada remeter a um dos tantos imitadores, que alegadamente se “inspiram” no neurótico cineasta nova-iorquino, e que não se cansam em produzir títulos genéricos ao longo dos anos, bom, nesse caso o mais indicado é sempre se ater ao original. Em seu quinquagésimo longa-metragem, o diretor volta a investigar alguns dos temas recorrentes em sua carreira. E se por um lado o faz com um tanto de preguiça e desleixo, é também certo que sua identificação com esse tipo de discurso é tamanha que mesmo uma obra “menor” sua é ainda maior do que muitos do que dele buscam se aproximar, mas pouco conseguem ir além disso: uma mera tentativa.

Não é por acaso que Allen é considerado um gênio. E, neste ponto, que fique claro: os méritos aqui em debate são estritamente artísticos, deixando de lado qualquer polêmica ou debate sobre sua vida pessoal, que mesmo já tendo sido exaustivamente discutidos – e resolvidos – na Justiça, seguem, principalmente nos últimos anos, obliterando o que de fato importa: seu trabalho e o legado que durante décadas construiu enquanto cineasta. Na ativa desde o final dos anos 1950 (quando começou como roteirista para televisão) e assinando suas realizações desde meados dos anos 1960 (a estreia foi com Um Assaltante Bem Trapalhão, 1969), o responsável por títulos tão emblemáticos quanto Manhattan (1979) ou Meia-noite em Paris (2011) há muito conquistou um lugar de imenso prestígio entre admiradores e cinéfilos em geral. E se por vezes falou de relações familiares, atrações entre homens e mulheres de diferentes idades, jogos do destino ou o embate entre mérito e talento, é fato também que muitas destas questões se tornaram frequentes em seus filmes, por vezes abordadas com seriedade, em outras tantas impregnadas de um humor único e irresistível.

Golpe de Sorte em Paris se diferencia de grande parte de sua filmografia, acima de tudo, por ser este o primeiro dos seus esforços não apenas ambientado em um país e cidade que não lhe são natais, mas acima de tudo falado em uma outra língua: no caso, o francês. E não é mero detalhe. Há entonações, uso de palavras, duplos sentidos que se perdem na tradução – e por isso a perspicácia daqueles atentos ao áudio original se impõe de maneira característica. Mas, a despeito disso, é o mesmo Woody Allen de sempre. Seus personagens estão dispostos como num tabuleiro, movendo-se entre idas e vindas como numa partida de sorte (ou azar), independente de suas vontades ou temores. Apaixonados ou ambiciosos, transitam ostentando sorrisos em frente aos demais, ao mesmo tempo em que elaboram planos escusos quando distantes dos olhos bisbilhoteiros. Suas intenções podem ser óbvias, mas os resultados nunca se confirmam certeiros.

Fanny (Lou de Laâge, deixando-se levar pelos desejos masculinos que a rodeiam) está num momento aparentemente tranquilo de sua vida. Depois de alguns anos um tanto intensos, encontrou o companheiro que lhe desse segurança e um trabalho de respeito numa agência de leilões na capital francesa. Suas certezas começam a titubear quando cruza, ao caso, com Alain (Niels Schneider, cuja presença é frívola, servindo mais como um tipo do que uma força capaz de provocar mudanças). Os dois estudaram juntos, anos atrás. Ele agora é escritor, está separado, e não hesita em afirmar que na adolescência fora apaixonado por ela – sentimento que parece seguir vivo até hoje. Ela se sente lisonjeada, e mesmo sem demonstrar maiores incômodos com a vigilância constante e o comportamento autoritário do marido, se deixa levar pela possibilidade de um novo amor. Certo dia, no entanto, Alain desaparece. Fanny acha estranho, mas não tarda em mais uma vez se acomodar ao lado do homem que está pronto para recebê-la de braços abertos. Jean (Melvil Poupaud, construindo um tipo envolvente, porém desprezível) tem tudo para ser o marido perfeito: com exceção dos muitos esqueletos que esconde no fundo do armário.

Seria somente mais um caso de desencontros conjugais, não fossem os comentários pontuais dos amigos e colegas de trabalho dele, que oferecem novos pontos de vista para uma relação invejável para quem a observa de longe, mas por demais problemática para aqueles que nela estão inseridos. Há de se pontuar também a participação de Valérie Lemercier (capaz de despertar interesse, por mais que o roteiro não lhe dê muitas chances), como a mãe da protagonista, que faz às vezes dos muitos personagens já interpretados pelo próprio Allen (como em Scoop: O Grande Furo, 2006, ou mesmo a minissérie Crise em Seis Cenas, 2016), dando uma de investigadora amadora, sem resultados práticos, mas emulando uma comédia de situação mais inocente e imediata. No final, assim como dois dos seus trabalhos de maior impacto – Crimes e Pecados (1989) e Ponto Final: Match Point (2005) – Woody Allen não se cansa em mostrar que homens e mulheres, por mais que queiram, estarão sempre sujeitos ao acaso. Golpe de Sorte em Paris tem charme em sua narrativa e propriedade no discurso, e mesmo que soe um tanto requentado aos que deste universo já se aproximaram, ainda assim se confirma maduro o suficiente enquanto um cinema maduro e motivo de reflexões mais duradouras. O que, obviamente, está longe de ser pouca coisa.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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