
Crítica
Leitores
Sinopse
Gloria e Liberdade se passa em um futuro não muito distante, após revoltas centenárias que dividiram o antigo Brasil em novas e idiossincráticas nações, uma cineasta viaja pelas regiões norte e nordeste em busca de respostas para o seu (e para o nosso) momento histórico. Animação.
Crítica
Em um Brasil cada vez mais dividido, a distopia vista do longa de animação Gloria e Liberdade não parece tão absurda quanto poderia soar num primeiro momento. Afinal, há mais ou menos uma década (talvez até mesmo antes, mas de 2016 em diante tais posições contraditórias têm se mostrado mais abertas e sem medo de falsas interpretações) o cenário sociopolítico do país tem se mostrado não apenas identificado com conceitos mais radicais de esquerda e de direita, mas apelando aos extremos destes dois pontos, como se o oposto não fosse algo a ser discutido, mas, sim, eliminado. Não há interesse pelo debate, mas pela aniquilação de qualquer pensamento oposto ao seu. E se isso não tivesse começado agora, historicamente tão recente, mas levado adiante como movimento formador da nação, herança de séculos que até hoje perdura? Causa espanto levar essa reflexão adiante. Porém, não chega a ser algo descabido. Está no DNA desta nação-continente. Letícia Simões, realizadora que tem voltado seu olhar à gênese do povo brasileiro, parte deste questionamento para traçar uma ideia tão possível, quanto assustadora.
A escolha do gênero animado para narrar uma história de inquietações geracionais se mostra por demais acertada. O filme é tão colorido, em seus momentos de descoberta, quanto perturbador em seus tons de cinza quando voltado a um desfecho aparentemente incontornável. Azul, a protagonista, é alter-ego da realizadora, determinada a cumprir uma missão que lhe é delegada tanto por sua inocência, quanto pela ânsia professa por um mundo viável, mas distante da realidade. O pai lhe questiona: podemos insistir na ideia de um só Brasil? Haveria como unificar todas essas diferenças sob um mesmo comando? Aqueles experientes, que acumulam tanto aprendizados, como também desilusões, não aceitariam se responsabilizar por tal propósito. Mas uma jovem desconhecedora de suas limitações pode se mostrar a condutora ideal para colocar em prova essa dúvida. Se conseguirá ou não, bom, isso dependerá tanto do seu empenho, como da forma como será recebida em cada um destes rincões tão distantes dos centros, mas ainda assim importantes por suas tradições e vontades.
O Brasil pensado por Letícia Simões não se mostra apartado apenas na teoria, mas com ainda mais força na prática. Gloria e Liberdade é mais do que um questionamento, se firmando também como provocação. O que seriam destes povos se as inquietações separatistas do período regencial tivessem se mostrado à altura da oposição do governo e tido sucesso em suas intenções? O filme limita seu olhar apenas às regiões Norte e Nordeste, e portanto são discutidas as revoltas populares que historicamente ficaram conhecidas como Cabanagem, Balaiada, Praieira e Sabinada. Não há menções à Guerra da Cisplatina, à Revolução Farroupilha ou à Guerra do Contestado, por exemplo. Inconfidência Mineira, Conjuração Fluminense ou República do Pampa são questionamentos que aqui inexistem. A imaginação se mostra restrita à formação de outras entidades administrativas: a nação indígena Taua Sikusaua Kato (também conhecida como Grão-Pará), a República de Caxias (união dos estados do Ceará, Maranhão e Piauí), o Reino Unido de Pernambuco (que engloba também Rio Grande do Norte, Paraíba e Alagoas) e a República da Bahia. Se por um lado este é um cenário próximo da fantasia, quão distante está de fato do que hoje é visto nas ruas e nos discursos vistos – e ouvidos – em Brasília?
A intenção é ambiciosa, e Simões tem noção do desafio assumido. Provavelmente, este é tanto seu acerto, quanto a pedra do caminho da qual não consegue desviar. Pois, para dar conta de todos estes mundos, distintas realidades, debates independentes e protestos particulares, sua protagonista tem tanto a dizer que suas falas acabam sendo por demais expositivas, didáticas e, em certo ponto, até mesmo redundantes. Pois por mais que se mostrem singulares em suas especificidades, são assumidamente similares em suas motivações básicas. Glória e Liberdade encanta os olhos, ao mesmo tempo em que anestesia os sentidos pela avalanche de informações e possibilidades propostas. Talvez com menos sobre a mesa para ser analisado, o resultado se mostrasse mais poderoso. Mas isso não diminui os acertos da produção e nem mesmo o mérito da iniciativa. É quase como um passo para trás, em meio às tantas urgências do cotidiano presente. Afinal, muitos dos problemas de hoje não surgiram ontem, mas há muito mais tempo. E somente a partir desse entendimento uma solução poderá ser percebida e levada adiante. Faz parte do processo, portanto.
Filme visto durante o 14º Olhar de Cinema – Festival Internacional de Curitiba, em junho de 2025


Últimos artigos deRobledo Milani (Ver Tudo)
- Cobertura :: 53º Festival de Gramado (2025) - 11 de julho de 2025
- Superman - 10 de julho de 2025
- Vermiglio: A Noiva da Montanha - 10 de julho de 2025
Deixe um comentário