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Sinopse

Dois irmãos gêmeos de talentos parecidos, mas de personalidades opostas, fazem muito sucesso na pesquisa do campo ginecológico. Eles dividem tudo, mas as distâncias ficam evidentes quando uma mulher os separa.

Crítica

Desde muito cedo os gêmeos Mantle se interessaram pelos mistérios do corpo humano. Até mesmo as brincadeiras na infância prenunciavam a carreira brilhante que eles teriam no campo da medicina. Mais adiante, seja desenvolvendo instrumentos revolucionários ou demonstrando um conhecimento cada vez mais apurado dos mecanismos que possibilitam a vida, constroem realmente uma reputação impressionante que os precede. Beverly e Elliot (interpretados por Jeremy Irons) desempenham papeis distintos nessa equação que possibilita o sucesso de ambos. Enquanto um se dedica arduamente à pesquisa, o outro se atém aos discursos, às aparências. Protagonistas de Gêmeos: Mórbida Semelhança, baseado no livro Twins, de Bari Wood e Jack Geasland, eles são como siameses intimamente ligados.

David Cronenberg começa o filme deixando bem claras as diferenças entre os irmãos, algo certamente impossível sem o trabalho preciso de Jeremy Irons, ele que dá vida tanto ao Beverly sensível e frágil quanto ao Elliot pragmático e inescrupuloso. Eis que a atriz Clair Niveau (Geneviève Bujold) vai até à Clínica Mantle em busca da expertise dos gêmeos no tratamento da infertilidade feminina. Ela se sente vazia sem filhos, e mais, pensa que não ser mãe é estar para sempre na condição de menina. No que parecia um episódio corriqueiro, Elliot transa com ela, proporcionando a Beverly logo depois “experimentar” (expressão dele) a paciente famosa. Contudo, o primeiro não contava que o segundo se apaixonaria, o que inicia um processo de implosão.

O antagonismo comportamental dos Mantle é um ilusão que pouco a pouco cede espaço às complexidades instauradas, principalmente depois que a ruptura acontece. A dependência de remédios se encarrega de acelerar uma violenta e mútua derrocada. Beverly tem constantes surtos que o fazem, inclusive, interpretar morfologias uterinas incomuns como mutações. Para lidar com elas, cria utensílios bizarros que, além de representarem um risco à saúde das pacientes, deixam claro seu nível de insanidade. Em princípio cuidador, Elliot cai gradativamente na mesma espiral de vício e instabilidade. Assim, elementos responsáveis por contradizer a incompatibilidade inicial se impõem de tal maneira que, a partir de dado momento, não vemos apenas a semelhança física, mas também uma destrutiva similaridade/simbiose psicológica.

Em vários de seus filmes, David Cronenberg aborda corpos sendo modificados pela adição de tecnologias que permitem a expansão de limites. Em Gêmeos: Mórbida Semelhança, temos dois cientistas empenhados em fazer brotar vida do improvável, cujas mentes são alteradas pela farmacologia que entrega resultados muitas vezes só mediante efeitos colaterais. No plano visual, o vermelho é significativo, seja o das incomuns e impactantes roupas da equipe cirúrgica dos Mantle, ou mesmo o do sangue que antecede e posteriormente banha a tragédia. Cronenberg constrói um pesadelo crescente, que de contornos engenhosa e falsamente simplistas passa a brilhante estudo de personagens e suas respectivas personalidades, repleto de horror, ou seja, fiel às origens, ao cinema que o canadense praticava no começo, só que agora no patamar de obra-prima.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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