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Sinopse

Dois irmãos alquimistas acabam de iniciar a maior e mais perigosa jornada de suas vidas: partem numa busca alucinante pela poderosa pedra filosofal, que supostamente teria o poder, inclusive, de trazer mortos à vida. O problema é que, durante o processo, as coisas acabam saindo de controle.

Crítica

Baseada no mangá homônimo, escrito por Hiromo Arakawa, a versão live action de Fullmetal Alchemist chegou ao streaming cercada de expectativas. Além do êxito da HQ, as derivadas animações serializadas fizeram sucesso na primeira década dos anos 2000. Todavia, bastam alguns minutos para perceber as fragilidades substanciais deste longa-metragem, a começar pelos efeitos visuais, no máximo convincentes, o que minimiza o impacto de determinadas sequências, justamente porque estamos falando de um mundo onde as improbabilidades marcam o cotidiano, nele sendo totalmente triviais. A premissa instigante de dois irmãos alquimistas que sofrem um acidente ao tentar ressuscitar a mãe por meio de algo acessado precocemente perde, então, credibilidade em virtude da precariedade da abordagem que privilegia o espetacular, a grandiosidade de passagens como a da desintegração da casa, porém sem recursos para fazê-las críveis.

Edward (Ryôsuke Yamada), o irmão mais velho, a despeito da baixa estatura – aliás, motivo de recorrentes piadas, colocadas de maneira desajeitada entre um momento solene e outro –, perdeu uma perna e um braço no processo extraordinário que envolve mistérios insondáveis. Já seu irmão menor, Alphonse (voz de Atom Mizuishi), teve a alma fixada numa armadura de metal. A missão deles é encontrar a lendária pedra filosofal para restituir suas consideráveis perdas físicas. Posto o drama de ambos, Fullmetal Alchemist começa a introduzir coadjuvantes supostamente importantes, tais como Winry (Tsubasa Honda), amiga de infância da dupla e visivelmente apaixonada pelo primogênito, de quem é mecânica, e Roy Mustang (Dean Fujioka), militar de alta patente que faz uso da alquimia para manipular o fogo. Aos leitores do mangá e/ou espectadores do anime, sobressai a fidedignidade da caracterização dos personagens. Todos são visualmente muito parecidos com seus equivalentes desenhados/animados.

Fullmetal Alchemist peca bastante ao emular o tom cartunesco da animação, transpondo-o ao cinema sem um senso de adaptação mais acurado, ou seja, desrespeitando as diferenças óbvias entre os formatos. Isso fica evidente na interação entre Ed e Winry, nos instantes embaraçosos em que ambos agem histrionicamente, sem a preservação de quaisquer sutilezas. Tal falha igualmente se aplica aos vilões, que surgem como autômatos sem, de fato, transmitir senso de perigo, além do imediato. Eles são ameaças circunstanciais, principalmente porque o diretor Fumihiko Sori não logra êxito na criação de situações relevantes e tensas. Aos poucos, até o drama dos irmãos vai perdendo representatividade, e nem mesmo a atrocidade que um alquimista comete em nível doméstico, visando exacerbar os conhecimentos da humanidade, possui a carga emocional devida. As questões éticas, inerentes à boa parte das escolhas dos agentes da trama, são relegadas, quando muito, a um esboço de observação, à mera periferia.

Assim, esta produção original da Netflix vai diluindo gradativamente o potencial do material original, oferecendo soluções fáceis para imbróglios praticamente incontornáveis. Fullmetal Alchemist é povoado por figuras sem alma, não obstante o festival de caretas e falas empostadas que marca as relações entre as pessoas na tela. No que diz respeito às interpretações, todas são uniformemente engessadas, ironicamente próximas da expressividade da armadura de metal cuja voz infantil, em contraste com o corpanzil, transmite a angústia de Alphonse. Verdade seja dita, ele é melhor que qualquer outro personagem dotado de carne e osso. Há boas sequências de ação, mas elas são logo sabotadas pela falta de estofo, inclusive o humano. Passamos, portanto, a nos importar menos com o êxito das missões, com a morte de gente pretensamente importante, justamente porque Fumihiko Sori não consegue construir cinematograficamente a empatia necessária. Excetuando a nostalgia, sobra pouco para apreciar.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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