Crítica


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Sinopse

Filósofos e historiadores comentam as marcas da rica e contraditória produção intelectual de Michel Foucault. Num breve panorama de sua carreira, apresentam entrevistas com próprio pensador e passagens de sua vida fora do ambiente acadêmico.

Crítica

Não é tão tênue, assim, a linha que separa sintetismo e pressa. O primeiro é a capacidade de condensar as questões postas, mas sem dispersões. A segunda é o seu negativo conceitual, pois igualmente trata de abreviar determinado percurso, mas nega-lhe substância, incorrendo em prejuízo. Foucault Contra si Mesmo é deste time, parte de gatilhos potentes sem, contudo, fazer jus à riqueza deles. A estrutura narrativa é simplória ao ponto de podermos compará-la com antigas experiências similares televisivas, tão engessadas quanto. A realização, levada a cabo por François Caillat, é realmente um especial feito para as telinhas, que aborda fragilmente o personagem principal, Michel Foucault, um dos maiores pensadores do século XX, responsável por alguns escritos que revolucionaram diversos campos do saber. A própria ideia de confronto contra si mesmo – já que Foucault ocasionalmente se contestava de uma obra para outra – é apenas jogada no primeiro dos quatro capítulos que formam o filme.

Foucault Contra si Mesmo possui um narrador monocórdico, cuja função é nos conduzir didaticamente por passagens importantes da vida de Foucault. Os depoimentos de filósofos, sociólogos, entre outras personalidades atuais da intelectualidade francesa, utilizados como excertos esclarecedores, visam promover incisões no recorte puramente histórico. Há instantes em que se estabelecem discussões frutíferas, mesmo partindo de informações arremessadas com uma velocidade contraproducente. Imagens de arquivo entrecortam esse esqueleto exposto, responsável pela falta de espessura predominante. Foucault, em pessoa, surge, sobretudo em programas de entrevistas, para supostamente corroborar o que os demais elementos se propõem a deflagrar. Ao deparar-se com um personagem histórico de tanta relevância para o pensamento ocidental, o cineasta se acanha.

No mais das vezes, é como se estivéssemos acompanhando uma aula expressa. Foucault Contra si Mesmo transcorre em desabalada carreira, passando brevemente por todos os meandros que decide abordar, do impacto de livros como História da Loucura e História da Sexualidade, por exemplo, à militância política de Foucault. Outro desperdício patente é a trajetória acadêmica do francês, somente mencionada, assim como o restante, na condição de paradigma de utilização das instituições para legitimar pensamentos novos. François Caillat, infelizmente, se contenta em documentar o mais epidermicamente possível, sem permitir mergulhos profundos nas idiossincrasias da pessoa pública escolhida como objeto de seu estudo cinematográfico. Os especialistas, que reverenciam em sequência o gênio que desafiou convenções, se encarregam de pontuar, sem lastro para desenvolver.

O Michel Foucault que aparece na tela é um sujeito evidentemente representativo, pois, mesmo em ritmo acelerado, o cineasta consegue, minimamente, mostrar uma parcela significativa de suas contribuições teóricas e práticas. Foucault Contra si Mesmo é realmente um bom protótipo da diferença entre sintético e apressado. Uma coisa é condensar algo num tempo específico, a partir de pontos verdadeiramente fortes, valendo-se de uma linguagem que compense as restrições. Outra, bem diferente, é, como faz aqui o cineasta, acreditar de antemão na espessura dos componentes, enfileirando-os sem criatividade, esperando que a mera justaposição deles ocasione a combustão necessária ao êxito. É, portanto, de um procedimento preguiçoso que nasce este filme, sem dúvida bastante aquém do legado acessado, ainda que gere esparsas centelhas de interesse no espectador enfadado.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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