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Sinopse

Quatro jovens estão hospedados numa casa em Recife. O carnaval passou e a quarta-feira de cinzas traz uma surpresa: uma jovem turista francesa é encontrada morta. A tragédia antecipa a volta do pai de um deles, que é policial. Eles estão ali, com o vácuo depois do excesso, na iminência de uma separação.

Crítica

Se o ditado diz que depois da tempestade, vem a bonança, por aqui o mais certo seria afirmar que, depois de toda euforia, há espaço apenas para a ressaca. O segundo longa ficcional de Hilton Lacerda, o primeiro após o impactante Tatuagem (2013), não poderia ter título mais apropriado: Fim de Festa. O ritmo, dessa vez, é outro. E ainda que a rebeldia, a sexualidade e a vontade de provocar sigam presentes, é chegado o momento de lidar com as consequências de tantas liberdades. O mundo lá fora é mais sério do que gostaríamos de acreditar, e se a alegria contagiante parece durar eternamente durante o carnaval, é também sabido que ela possui data para acabar. Afinal, a quarta-feira de cinzas sempre vem. E, com ela, a necessidade de lidar com tudo o que foi feito nos dias de folia, e como tais ações podem ressoar por mais tempo do que o desejado. É preciso levantar a cabeça e enfrentar estas lembranças, estejam elas vivas ou não.

Breno (Irandhir Santos) está em casa. Voltou mais cedo das férias, e acabou pegando o filho, com quem mora, acompanhado. O rapaz, Breninho (Gustavo Patriota), está no quarto com Penha (Amanda Beça), Indira (Safira Moreira) e Ângelo (Leandro Villa). Os quatro ainda estão sob o efeito de tantos dias de samba e bebida, sexo e dança, falta de compromisso e de horários. Ainda dormem, levantando apenas para beber água ou uma ida ocasional ao banheiro. Mas o pai não está muito preocupado, não. Ao menos, não com os garotos. Sabe que isso é coisa da juventude, e que ele também já foi jovem um dia. Entende como funciona. A menina fala da namorada que deixou em Buenos Aires, os garotos parecem mais interessados uns nos outros do que nelas. É assim que a coisa funciona. O que não se encaixa é o motivo que o obrigou a retornar antes do previsto: uma turista foi assassinada durante os festejos, e ele, como chefe de polícia, precisa investigar o caso.

Alice (Suzy Lopes), a sogra da garota, só quer saber de ir embora do país pelo qual guarda tanto rancor. Jèrôme (Jean Thomas Bernardini), o pai, não fala português e parece mais preocupado com os compromissos que deixou na França do que com o que teria acontecido com o enteado e a esposa desse. E Samuel (Ariclenes Barroso), o viúvo, oferece todas as respostas que lhes são exigidas, mas elas surgem tão prontamente, a ponto de soarem ensaiadas. O mistério que ali deveria existir não se sustenta por muito tempo. A culpabilidade, portanto, não parece ser um segredo com o qual o diretor e roteirista esteja interessado. Mas Lacerda sabe como lidar com os elementos que reuniu. Muito mais pertinente do que descobrir quem é o culpado, é desvendar as motivações que ligam cada um dos envolvidos. O que os levaram até aquele ponto e o que pretendiam com o que foi feito – e, principalmente, com o que não foi alcançado. E mais: o círculo familiar corrompido é apenas uma das peças desse quebra-cabeça. Pois além daquilo que está em foco, é importante também prestar atenção em quem está olhando.

Entre as relações que Breno encontra em casa e aquelas que precisa enfrentar nas ruas, há muito em debate. Os segredos de “quem”, “quando” e “como” não são tão relevantes quanto tudo aquilo que cerca esse incidente. As pessoas envolvidas, o porquê delas terem partido e as razões que as fizeram voltar, o que abriram mão com suas atitudes e também o que esperam conseguir com elas. No meio disso, está ele. Breno retornou após ter se mantido longe de tudo e de todos, mas segue cansado. Não tem pressa em julgar, nem em atropelar a ordem das coisas. Diferente daqueles que se escondem no mundo virtual, onde o imediatismo dita as regras e tudo é para o agora, para o antes, nunca para o depois. Quando estão tão ocupados em apenas falar, quem se ocupa em ouvir? Ou melhor, em prestar atenção nas frases e imagens que parecem soltas ao acaso?

Há uma sensação de desconforto que percorre toda a narrativa de Fim de Festa. Ela está no primeiro encontro do filho e seus amigos com o pai, entre os garotos que vão e os que ficam, no meio da família que é vítima, mas também pode ser culpada, entre os anônimos que tanto gritam sem se preocupar com o que dizem – e, principalmente, como dizem. Um registro digital quase inconsequente pode revelar muito mais do que aquilo que fora imaginado a princípio, assim como são os laços existentes entre cada um destes personagens. Hilton Lacerda oferece um contraponto um tanto agridoce como resposta à esfuziante energia verificada em Tatuagem. Pode soar estranho num primeiro momento, mas acaba por fazer sentido, ainda mais num contexto histórico como o atual, em que cada passo adiante parece vir acompanhado de outros dois em retrocesso. Os olhos precisam estar abertos, mas nem tudo é digno da atenção de estranhos. Há o que precisa ser preservado, pois a intimidade segue valorosa. E é justamente esse o equilíbrio que urge em ser atingido, tanto na memória como no amanhã que está sendo construído hoje.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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