Crítica
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Sinopse
Um idoso rabugento recebe uma carta afirmando que ele ficou rico. Esse disparate com jeito e tudo de fraude vai fazer com que ele e o filho embarquem numa viagem de autoconhecimento.
Crítica
Nebraska, filme do norte-americano Alexander Payne, começa e termina com tomadas de estrada. O primeiro movimento é de aproximação entre o idoso Woody (Bruce Dern) e os espectadores, pois ele literalmente vem ao nosso encontro. Já no último, o deslocamento é contrário, ou seja, de afastamento, ainda que, paradoxalmente, ali estejamos mais próximos tanto dele quanto dos seus. Após receber por correio uma daquelas maliciosas peças de certo marketing charlatão contemporâneo, o homem se põe em deslocamento para, quem sabe, afirmar uma lógica de vida baseada na crença, contrapondo-se, assim, à dominante desconfiança a que somos condicionados desde muito cedo.
Percorrer as estradas americanas em busca de prêmio falso é desculpa do diretor Alexander Payne para fazer emergir a complexidade que rege relações de amizade e, principalmente, as familiares. Como que para abrandar a própria mediocridade, o filho David (Will Forte) se junta ao pai, descobrindo mais a respeito do velho homem tachado de alcoólatra e ausente. O retorno à cidade natal de Woody é providencial para o surgimento de pistas, entre as sutis e as nem tanto, a respeito dos elementos formadores de sua personalidade calada e um tanto auto-alienada. Nesse lugarejo, onde o ritmo dos idosos reflete (ou dita) o fluxo arrastado do tempo, o pai reencontrará o passado e, por meio dele, se fará mais visível no presente, mesmo raramente deixando-se levar por lamentos saudosistas.
Num elenco de desempenhos irrepreensíveis, elogios à parte para Bruce Dern, cuja interpretação é notável. Seu personagem pode ser ideologicamente comparado a Alvin, protagonista de Uma História Real (1999), de David Lynch. Ambos, movidos por impulsos sólidos, fazem viagens improváveis, isso frente ao entorno cínico e carente de valores. Outro ponto imprescindível ao filme é a bela fotografia em preto e branco de Phedon Papamichael, algo conexa à vista em A Última Sessão de Cinema (1971), de Peter Bogdanovich. Tal aproximação não reside exatamente (ou apenas) no plano visual, mas, e principalmente, no que ambas estéticas legam aos filmes enquanto componentes deflagradores do estado das coisas no interior norte-americano longe da badalação própria aos grandes centros, onde realidades paralelas parecem desenvolver-se.
Repleto de passagens bem-humoradas, contrapontos da melancolia vigente, Nebraska discute ligações sentimentais em termos intrincados, sem abdicar do direito de brincar com certos lugares-comuns acerca de relacionamentos parentais e amorosos, o que resulta numa narrativa com boa dose de leveza. O roteiro de Bob Nelson permite ao espectador surpreender-se com as atitudes dos personagens naquilo que as revela mais humanas e ordinárias. Percorremos junto dos mesmos um caminho sinuoso e transcendente, entre a solidão da autocomplacência e a comunhão nos instantes que nos definem enquanto seres tortuosos, complicados e, portanto, singulares por natureza.
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