Crítica
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Sinopse
Em Feios, Tally (Joey King) é uma adolescente que vive numa sociedade futurista onde todos, após passarem por cirurgias, se tornam "perfeitos". No entanto, Tally é “feia” e decide contrariar a todos, mesmo que isso possa custar o seu próprio futuro. Baseado no livro de Scott Westerfeld.
Crítica
Nova distopia voltada aos adolescentes em cartaz na Netflix, Feios tem uma premissa atraente. Os personagens vivem num mundo em que todos se submetem a uma cirurgia completamente reformadora aos 16 anos de idade. Esse procedimento é estético, mas também diz respeito à personalidade, pois promete transformar as pessoas nas suas melhores versões, física e emocionalmente falando. A protagonista é Tally (Joey King), garota prestes a cruzar o limiar entre a adolescência e a vida adulta – necessariamente, ser adulto é estar adequado à padronização. Seu melhor amigo, Peris (Chase Stokes), passa primeiro pela metamorfose, mas antes ratifica as juras de amizade eterna que ambos fizeram desde que se conheceram anos atrás. Tendo em vista que vivemos num mundo onde a percepção de beleza é cada vez mais afetada por filtros de redes sociais e outras máscaras virtuais capazes de nos distanciar da realidade, está aí uma boa oportunidade para discutir a ânsia por ser igual a todo mundo, cujo efeito colateral mais evidente é uma despersonalização. No entanto, essa aventura romântica infantojuvenil é menos subversiva do que a sua sinopse sugere. O princípio narrativo até pode parecer a necessidade de “acordar”. Assim como o Neo, o protagonista da saga Matrix, Tally é convocada a descobrir verdades inconvenientes e remar contra a maré de mentiras e maquiagens institucionalizadas.
Dirigido por McG, Feios utiliza o diagnóstico da opressão aos ignorantes como pano de fundo para uma aventura genérica pouco vibrante, em que a consciência política está sempre atrelada ao romance. A trajetória de Tally é feita de uma série de lugares-comuns desse tipo de história, pois começa com a negação da realidade, passando por uma dúvida nem sempre mobilizadora, transitando pelo arrependimento oriundo das escolhas erradas, chegando até a revolução de pensamento e ação. No entanto, o realizador não prioriza os elementos distópicos, as implicações coletivas da ficção científica com mocinhos e vilões pronunciados, pois está mais preocupado em construir pequenos envolvimentos românticos que justificam superficialmente as ações dos personagens. Senão vejamos. Tally decide quebrar os protocolos para ir à cidade colorida onde os “adultos” parecem zumbis que passaram por um procedimento cirúrgico para tentar virar o Ken humano, apenas porque sente saudade de Peris. Mais tarde, ela decide arriscar a sorte e tentar conhecer um refúgio mítico para os inimigos da ordem vigente, estritamente, porque desenvolveu um novo laço fraterno, desta vez com Shay (Brianne Tju). Mais tarde, os ímpetos subversivos da protagonista também parecem, ao menos em parte, perceptíveis como uma resposta ao chamado do amor sentido por David (Keith Powers). Portanto, o foco não é o itinerário pessoal de alguém rumo ao genuíno amadurecimento pela obtenção das verdades.
Feios utiliza a distopia como desculpa para dar contornos mais espetaculares ao velho modelo de enredo no qual uma mocinha se revoluciona porque isso a deixará mais próxima das pessoas amadas. Assim, as ações para tentar colocar abaixo um sistema tirânico, obviamente opressor e propagador de práticas brutais, não são fruto de um desejo político ou ainda racional, mas da necessidade de deixar a crisálida e virar borboleta para seguir de mãos dadas com alguém. Até essa ode aos vínculos amorosos poderia ser interessante, mas desde que McG não romantizasse cada instante com frases de efeito bregas e atitudes artificiais. Aliás, por falar em artificialidade, é preciso dizer que a precariedade dos efeitos digitais dificulta a tentativa de imersão nesse universo. Isso principalmente quando a ação é necessária, por exemplo, assim que Tally e sua nova melhor amiga andam em skates voadores. Em momentos como esses fica muito evidente a manipulação virtual de cenários e personagens, ao ponto de as cenas perderem qualquer textura legítima, de convencerem mesmo dentro de uma especulação sci-fi. No último terço do filme, quando a guerra entre mandachuvas e rebeldes é inevitável, a trama apresenta diversos instantes anticlimáticos, sabotados pela direção que parece no piloto automático e por efeitos aquém do esperado nessa produção baseada num best-seller, logo digna de expectativas altas.
Como drama futurista romântico, Feios deixa bastante a desejar. Primeiro, porque desenha um futuro tão genérico que parece simplesmente um pot-pourri vampirizado de diversas outras histórias. Segundo, porque o romance é sempre sabotado pela caretice da abordagem mais infantil do que necessariamente juvenil. O sexo é um item completamente inexistente nesse universo, assim como os resquícios do desejo. Até quando Tally provavelmente transou como alguém, não há indícios da relação. Até o ato de “sair juntos da barraca no outro dia” é rapidamente reconfigurado pela chegada do inimigo. Sobre o desejo, nem a reiterada vontade reformista dos rebeldes é encarada como fruto de um anseio profundo. Tudo é muito sem vivacidade e personalidade nesse filme em que os adultos são curiosas exceções. Demora muito até alguém com mais de 20 anos aparecer na história, o que deixa clara a decisão de dar visibilidade aos candidatos a astros e estrelas num diálogo imediato com a parcela mais nova (e suscetível) da plateia. Por falar no elenco, Joey King parece perdida na pele da garota que precisa lidar com dilemas supostamente profundos e ainda demonstrar uma vocação pelo risco. O resultado é uma distopia cuidadosamente embalada para suscitar leves emoções rebeldes na juventude, mas sem a inflamar rumo à reflexão real sobre controle social e os padrões selvagens.
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