Crítica
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Sinopse
Em um futuro opressivo dominado pela tecnologia, a posse de livros e a literatura são proibidas. Guy Montag é um bombeiro, sua principal missão é queimar todos os livros que existem até que não sobre mais nenhum deles. No entanto, ele conhece Clarisse McClellan, uma jovem misteriosa que faz com que ele comece a questionar suas atitudes e todo o sistema vigente.
Crítica
Fahrenheit 451 equivale a 232°C. Em tese, essa é a temperatura necessária para que o papel entre em combustão. E é também o título do livro de Ray Bradbury que foi primeiro adaptado para o cinema por François Truffaut. E se o Fahrenheit 451 (1966) original entrou para a história como uma das obras mais polêmicas do mestre da nouvelle vague, o novo Fahrenheit 451 aposta na tecnologia para modernizar sua trama. O tema, no entanto, continua o mesmo: o quanto a arte e a cultura podem ser perigosas? Pensar, afinal, é um ato revolucionário. Uma releitura que aponte para estas verdades parece ser mais atual – e necessária – do que nunca. Pena o diretor Ramin Bahrani (Goodbye Solo, 2008) ter decidido apostar mais na ação do que no debate, reduzindo tema tão relevante a uma mera questão sobre quem acabará vivo no final.
A trama, em si, permanece a mesma. Num futuro não muito distante, bombeiros representam a força mais importante do governo, e sua missão principal é causar fogo, e não acabar com ele. Afinal, estamos numa realidade em que qualquer controvérsia é combatida e a felicidade – ou a falsa sensação de – é o que importa. Portanto, não apenas livros, mas todo e qualquer produto que registre uma manifestação artística foi proibido: discos, quadros, esculturas. O homem se tornou o cão do próprio homem. Todos devem ser completamente iguais, e aqueles que insistem em fugir da ordem geral passam a ser perseguidos, caçados e reprimidos. A força policial representada pelos homens de fogo é tanto júri quanto juiz, e aplica-se diariamente a descobrir focos de resistência e dar fim a qualquer resquício de pensamento individual.
Guy Montag (Michael B. Jordan, que assina também como produtor executivo) é um destes soldados destinado a transformar em fogueira aquilo que não conhece nem entende. Ele e sua equipe são verdadeiras celebridades, motivo de exposição contínua na mídia e nas redes sociais, merecedoras de milhares de curtidas, marcações e compartilhamentos. As manifestações se dão a todo instante, e o olho do Grande Irmão está por todos os lados: ninguém mais é um só. Existe apenas o coletivo. Ver-se como um ser único e singular passou a ser algo perigoso. Porém, é justamente isso que Montag começa a sentir a partir do momento em que passa a questionar suas ações. Primeiro, para desespero dele mesmo. Depois, para descontrole do seu chefe direto e tutor, o capitão Beatty (Michael Shannon, que já havia trabalhado com o diretor no primeiro projeto dele nos Estados Unidos, o drama imobiliário 99 Casas, 2014).
É curioso como as dúvidas do mais jovem, alguém que nasceu naquele meio e nunca teve outra preocupação além de fazer aquilo que lhe mandavam, nascem a partir do momento em que uma rebelde cruza seu caminho. Clarisse (Sofia Boutella) é uma informante, alguém envolvida num jogo duplo, e por mais que tenha consciência do que está acontecendo, ao mesmo tempo sabe da necessidade de atender aqueles que tem seu futuro em mãos. É por isso que, entre outras coisas, entrega informações como a localização da velha senhora, dona de uma preciosa biblioteca, que prefere morrer queimada junto aos seus livros do que se ver separada deles. Conhecimento é poder, mas também é exemplo. E é este que moverá Montag em sua mudança de lado. Esta nova forma de ver o mundo, que supostamente deveria render um grande conflito emocional, no entanto aqui é feita sem maiores tropeços. Assim, aquele que até poucos minutos atrás era caçador, se vê agora como líder de uma revolução que não compreende, agindo mais por instinto do que por crença.
Há um debate forte em Fahrenheit 451 – no livro, e não neste filme. Aquilo que deveria ser discutido a fundo e servido como base para uma reflexão mais sólida se vê reduzido a um jogo de gato-e-rato, em que melhores amigos passam a perseguir um ao outro, lutando por algo que parecem não compreender e que foge do entendimento do espectador, mais por atropelo do realizador do que por falta de elementos que pudessem justificar tais ações. Num mundo de Trumps e Bolsonaros, um discurso como o que aqui encontramos, que bate forte em fundamentalistas e religiosos radicais, valorizando a mediocridade em detrimento das qualidades individuais, parece soar mais urgente e preciso do que nunca. Ao contrário do filme genérico de ação da semana, que termina por ser entregue no seu lugar. E ao invés de um estudo aprofundado sobre causa e consequência, restringe-se apenas às manchetes sensacionalistas de um tweet ou post qualquer. Triste conclusão para uma obra que merecia mais cuidado e, obviamente, relevância.
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