Crítica


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Sinopse

Neil é acometido por uma doença que, num intervalo de um ano, o deixa paralisado do pescoço para baixo. Sentindo seu corpo gradativamente mais fraco, ele tenta escrever uma carta para seu filho de apenas um ano de idade.

Crítica

Numa época em que os reality shows e a intimidade pessoal das pessoas parecem ser muito mais interessantes do que a ficção estudada e elaborada, é curioso perceber a resistência que o grande público ainda possui em relação aos documentários. Este estilo de fazer cinema, cada vez mais difundido e acessível, tem se popularizado, principalmente pelo baixo custo, entre os realizadores – é possível contar ao menos um novo longa do gênero chegando às telas a cada semana – mas segue distante dos espectadores, que parecem estar tão saturados da dita “vida real” pela dieta diária recebida através da televisão, jornais, revistas e internet que, quando chega o momento de ir ao cinema – ao menos entre aqueles que ainda vão ao cinema (!) – a fantasia e a imaginação permanecem na preferência da maior parcela dessa audiência. O que é uma pena, pois significa que muitos deixarão passar a impressionante mensagem que um filme como Eu Respiro tem para transmitir.

Aos 34 anos de idade, logo após a virada do ano, período de festas e esperança por dias melhores, Neil Platt recebe uma triste notícia: o diagnóstico de ser portador de Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA), uma doença fatal e sem cura. Seu pai faleceu do mesmo mal, porém com vinte anos a mais do que ele, e agora chegou sua vez, abreviando ainda mais sua expectativa de vida. Casado e pai de um menino com menos de um ano de vida, Neil, sua esposa e família passaram a contar cada dia como se fosse o último, pois sabem que a ele não será possível passar por um novo Natal. Em poucos meses ele deixará de ser um jovem saudável para se tornar um ser vegetativo, paralisado inteiramente do pescoço para baixo. E, com o corpo cada vez mais fraco, sua própria perspectiva de vida irá mudar. A necessidade de se adaptar àquelas novas condições será mais forte, num impressionante processo de luta pela sobrevivência. Porém, para tudo na vida, há limites. E este protagonista também possui os seus.

Neil Platt é um legítimo representante de uma geração que vive conectada. Por isso, não haveria porque sua morte ser diferente. Assim, a partir do momento que começa a sentir os primeiros sintomas de sua nova condição, ele dá início a um blog no qual irá relatar cada passo dessa jornada rumo ao inevitável. Há preparativos mais práticos, como separar pertences que serão seu legado ao filho, ou mesmo a realização deste filme, resultado do esforço dele e das diretoras escocesas Emma Davies e Morag McKinnon. O objetivo principal era fornecer material para que essa criança um dia pudesse entender quem foi seu pai e porque ele partiu tão cedo. Porém há mais, e em última instância os ganhos estarão em despertar uma consciência maior a respeito de um mal que poderia ser evitado, caso investimentos e esforços fossem direcionados neste sentido com maior eficiência.

Eu Respiro significa ‘eu estou vivo’. Neil Platt se assemelha à garota alemã Sophie van der Stap, que quando soube portar um raro câncer, com apenas 21 anos de idade, também deu início a um relato online que futuramente originou um livro e o filme A Garota das Nove Perucas (2013). Mas se ela conseguiu dar a volta por cima e superar uma ameaça invisível e – quase – avassaladora, o final de Platt se assemelha mais àquele presenciado por Alain Évrard (Vincent Lindon) em Uma Primavera com Minha Mãe (2012), quando testemunha, sem poder fazer nada, aquela que sempre foi exemplo de força e determinação tomar a atitude mais corajosa – ou seria covarde? – de todas, tomando as rédeas de sua vida e acabando com a mesma antes que essa decidisse o seu fim. Resta, portanto, o alerta sem sentimentalismo barato nem condescendências, mas dono de um gosto amargo, apontando que tudo poderia ter sido diferente, bastando para isso apenas a boa vontade dos homens. Ao menos antes que fosse tarde demais.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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