Crítica

Um desafio comum em filmes sobre enfermidades e doentes é fugir de roteiros que exploram o melodrama pessoal excessivo, a tragédia familiar catártica e a rotina hospitalar invasiva para evitar clichês e estereótipos. No entanto, há diretores e títulos que conseguem dosar harmoniosamente estes elementos, transformando a trajetória do personagem principal em um percurso a ser percorrido com cumplicidade pelo público. Obras como O Óleo de Lorenzo (1992) e Mar Adentro (2004), entre outros, obtiveram resultados interessantes, cada um a seu modo. Porém, o alemão A Garota das Nove Perucas atinge objetivo semelhante apenas parcialmente – e, curiosamente, ou por se abster ou por se focar muito nas armadilhas dispostas acima.

O longa de Marc Rothemund concentra-se na história real da vivaz Sophie, linda garota de 21 anos diagnosticada com um tipo de câncer pulmonar raro e agressivo. A má notícia abala a jovem e seus parentes, que enfrentaram um carcinoma ao lado da mãe de Sophie anteriormente. O tratamento da menina tem início imediato, e com ele todas as privações e complicações decorrentes de quimio e radioterapia – explicitadas de forma branda pelo enredo.

A perda de cabelos leva Sophie ao uso de perucas com diversas cores e cortes, artifício pelo qual afloram traços de diferentes personalidades, que variam conforme situações e de acordo com a evolução da doença. Como em uma releitura do mito de Sansão, está nos cabelos (no caso, nas perucas) a força que molda a resistência e a capacidade de reação de Sophie.

De uma forma geral, o filme tem uma visão bastante otimista sobre o câncer, o que proporciona alívio e horizonte a pessoas que sofrem com tumores. Mesmo correndo sério risco de vida, Sophie não se deixa abater totalmente. Segue tendo um posicionamento positivo sobre a vida, o que é de fato heroico.

No entanto, em um sentido estritamente cinematográfico, A Garota das Nove Perucas falha justamente ao propor uma desvinculação considerável da personagem com seu próprio drama. O roteiro de Kati Eyssen e Sophie van der Stap, a atuação de Lisa Tomaschewsky e as sequências exibidas não problematizam o impacto de uma doença quase fatal (no seu caso) de forma efetiva. Vemos seu sofrimento, mas não o sentimos, o que impede uma identificação ideal entre público e personagem.

O mesmo ocorre com as relações familiares, que seguem lineares, sem conflitos palpáveis, quebras de conduta significativas ou modificações importantes. É preciso mais do que algumas cenas de choro e abraço para garantir o envolvimento do público. Ao mesmo tempo, há uma atenção tediosa ao cotidiano da internação, que nos prende a uma sequência estafante de sessões de terapia e exames protocolares bastante próxima da realidade. A documentação do tratamento médico na comédia de Rothemund é redundante e exageradamente formal.

As válvulas de escape de Sophie durante a recuperação são noitadas proibidas regadas a álcool em pleno tratamento (que mal se revertem em maiores entraves à personagem), um romance transformado em ruínas pela própria garota, e a escrita online, pela qual a paciente relata sua recuperação, mas que se revela mais um passatempo descompromissado e superficial do que uma efetiva ferramenta libertadora de purgação e exorcismo de tensões.

No fim das contas, a jornada de superação de Sophie está mais próxima de um suspeito conto de fadas do que de uma intensa batalha pela vida, o que poderia resultar em um filme bem mais trágico e melodramático, mas também mais convidativo e instigante.

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é jornalista, doutorando em Comunicação e Informação. Pesquisador de cinema, semiótica da cultura e imaginário antropológico, atuou no Grupo RBS, no Portal Terra e na Editora Abril. É integrante da ACCIRS - Associação dos Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul.
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