Sinopse
Matias e Jeronimo são dois grandes amigos que cresceram juntos em Paso de Los Libres, uma região simples da Argentina. Durante sua adolescência, surge uma inesperada atração sexual entre os dois, que viveram os sentimentos com curiosidade. Mas a vida acabou separando seus destinos, que ficaram anos sem se ver. Após tanto tempo, eles lidam de maneiras totalmente distintas com as lembranças do passado.
Crítica
Matías e Jerónimo são melhores amigos. Mais do que isso, vivem um para o outro. As férias são períodos do ano esperados com ansiedade, e não apenas pelas brincadeiras, pela folga das aulas ou pela ausência do dever de casa. Acima de tudo, pela companhia um do outro. Ainda mais quando vão, juntos, com os pais de Jero para o campo, onde tudo é mais livre, leve e solto. Dias inteiros de brincadeiras, corridas, jogos e banhos nos rios, lagos e banhados que compõem o estuário, principal característica geográfica do lugar onde se encontram, na fronteira do Brasil com a Argentina. É lá, também, que descobrem, quase ao mesmo tempo, precisarem dessa parceria mais do que de forma inconsequente – aos poucos, essa necessidade vai ganhando forma, anseio e desejo. E quando tais confusos sentimentos se tornam reais, um se afasta ao mesmo tempo em que o outro tentará se aproximar. Esteros, filme de estreia de Papu Curotto, se debruça não apenas nesse momento de descoberta, mas também na retomada desta conturbada relação, mais de uma década depois. Paralelos importantes, mas que de nada adiantariam sem a impressionante sensibilidade do cineasta em resgatar um momento tão comum, porém inevitavelmente único.
O jovem cineasta portenho Papu Curotto não tem pressa em desenrolar sua história, característica de quem sabe muito bem o que tem a dizer e como chegar até lá. Muito dessa segurança, provavelmente, venha da experiência de ter dirigido antes o curta-metragem Matías y Jerónimo (2015). E ainda que os nomes dos personagens de ambos trabalhos sejam os mesmos, suas histórias são sabiamente diferentes. O anterior foi um exercício, uma investigação de linguagem que serviu para denotar antecipadamente seus interesses e preocupações. Em comum, a temática LGBT – Matías e Jerónimo são apaixonados um pelo outro, ainda que aquele que partiu (em Esteros) tente negar essa atração. Quando Matías decide agir como se nada tivesse acontecido, ele não apenas destrói algo em Jeró, mas também em si mesmo. Um dano que somente quando o ciclo se completar poderá ser refeito.
Matías, agora um rapaz bem encaminhado na profissão e envolto por um relacionamento sério, decide passar o carnaval ao lado da namorada em Passo de los Libres, ARG, sua cidade natal que ela pouco conhece. Nos preparativos das fantasias e festejos, mal ele imagina que ela chamaria um maquiador para ajudá-los nos preparativos. Ali está, mais uma vez, em sua frente, Jeró. Mais de uma década separam um momento do outro, do adeus ao reencontro. O que ali permaneceu se contém, igualmente surpreso. Faz o que lhe foi chamado, sem ignorar o óbvio, mas também sem extravasar emoções. O que voltou, em posição imóvel – está sendo maquiado, afinal – pode apenas refletir sobre o que está passando, vendo retornar desejos, vontades e sensações que pensava estarem há muito enterradas – quiçá, eliminadas. Mas não, ali restavam, talvez adormecidas, mas prontas para atender ao mais leve chamado. E agora não será mais fácil contê-las mais uma vez.
Ao mesmo tempo em que vamos acompanhando Matías voltando a se envolver com Jeró – um encontro ao acaso na rua, uma visita nada disfarçada, uma conversa repleta de revelações – somos convidados a conhecer os dois enquanto crianças – o mesmo cenário do curta, porém com desenlaces distintos. Se na primeira incursão pela ficção ambos precisavam aprender, juntos, a lidar com a homofobia ao se depararem com um caso de preconceito, desta vez esta rejeição se dará entre os próprios. Os toques, as provocações, os passatempos e todo tempo que passam juntos parecem ser apenas desculpas para desfrutarem do prazer da companhia que tem a oferecer ao outro. Como podem ser tão próximos aqui e tão distantes lá adiante? É o que Esteros irá revelar.
Sim, pois será justamente no mesmo ambiente de antes, na solidão e na liberdade dos estuários afastados que os dois irão mais uma vez se reconectar. Se para sempre ou por apenas um momento, compete ao espectador desfrutar da revelação ao lado dos personagens. Curotto é sensível o suficiente para não forçar movimentos inesperados e nem trair as intenções dos personagens que criou. Ainda que não seja óbvio, é simples, mas envolvido em tamanha competência que se afasta com tranquilidade da mediocridade. Esteros não é um filme de reviravoltas surpreendentes nem de mudanças bruscas. É o retrato de um processo, tanto antes quanto agora. E se o final feliz – sim, contrariando as mais apuradas expectativas, esse também pode existir – pode parecer por demais idealizado – afinal, há diferenças entre o que toma a decisão e o que apenas segue o que é decidido pelos outros – ao menos se encaixa dentro desse formato em que o esperado é também o melhor caminho. Pois dentre tantas opções, a que fala mais alto sempre será aquela que vem de dentro, da sua própria verdade, independente de tudo e de todos.
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