Crítica


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Sinopse

Lorena, uma jovem e destemida médica, abre uma clínica para os pobres em uma aldeia remota nas Filipinas, mas desaparece sem deixar pistas logo depois. Seu marido, Hugo Haniway, um poeta ativista e professor, quer descobrir a verdade sobre o paradeiro da esposa. Ao chegar, ele é confrontado por uma comunidade que sofreu o ataque de uma gangue de milicianos durante o tempo da Lei Marcial, em 1972.

Crítica

Os fantasmas do passado de repressão militar filipino sempre assombraram o cinema de Lav Diaz. De alguma maneira, sutil ou incisiva, a discussão política acerca desse período se faz presente nas tramas por ele criadas, lançando uma sombra sobre quase todos os seus personagens. Em Estação do Diabo, tal sombra se projeta por completo, dominando uma narrativa que mergulha nas atrocidades praticadas durante a época da Lei Marcial, instaurada pelo então presidente Ferdinando Marcos, em 1972. Tendo como fio condutor o arco protagonizado pelo professor, poeta e ativista Hugo Haniway (Piolo Pascual), à procura da verdade sobre o desaparecimento de sua esposa, Lorena (Shaina Magdayao) – uma médica impetuosa que abrira uma clínica em um humilde vilarejo – Diaz joga os fantasmas do passado de trevas das Filipinas num cenário de lirismo operístico, criando um musical pouco ortodoxo. Uma espécie de réquiem para as vítimas da opressão.

Assim como ao olhar histórico, o diretor se mantém fiel também ao seu estilo autoral – o registro em preto e branco, os enquadramentos elaborados, os planos longos e estáticos, a extensiva duração total da projeção. O grande diferencial de Estação do Diabo está mesmo no elemento musical, em chave subversiva, rompendo com boa parte das convenções do gênero, em que todos os diálogos são cantados sem qualquer acompanhamento instrumental (a cappella) ou preocupação com as habilidades vocais dos atores. Imprimindo uma sensibilidade poética mesmo às trocas de palavras mais triviais, povoando-as de simbolismos, o cineasta estabelece uma unidade melódica calcada na repetição de versos. Uma opção que transforma boa parte dos diálogos em mantras de objetivos distintos: para os militares, uma ferramenta de manipulação das massas, de lavagem cerebral. Do lado do povo, uma forma de manutenção da memória, da esperança, e de criação de um alicerce para a resistência.

Formalmente, a apresentação desse elemento musical, tanto em sua singeleza quanto na já citada repetição, faz com que o longa caminhe numa linha tênue, gerando efeitos díspares. Pois, ao mesmo tempo em que propicia momentos inegavelmente belos, de uma melancolia tocante – como a canção sobre a mãe que aguarda na janela o retorno do filho sequestrado pelos militares – também termina por tornar a experiência de dilatação do tempo, uma constante na obra de Diaz, mais pesada e estafante. Contudo, mesmo que se sinta mais do que em outros de seus longas, a cadência temporal ainda serve ao cineasta, especialmente como forma de intensificar o martírio de seus personagens. Do mesmo modo, a música serve igualmente a outros aspectos, como o simbólico, representando a arte e sua função como instrumento de luta política – não à toa, a declamação de versos do poeta só se transforma propriamente em canto à medida que este abandona sua posição omissa de autocomiseração e passa a agir, de fato, para encontrar a esposa.

Fazendo uma opção consciente pela artificialidade, em função da ruptura com o realismo causada pelos diálogos cantados, Diaz imprime à sua habitual, e rigorosa, mise en scène, uma aura mais teatral e lúdica, condizente com o tom fabular que envolve o longa desde a narração inicial. Essa abertura à fantasia, ainda que não abraçada completamente, permite ao diretor inserir componentes folclóricos, míticos, para a criação de um universo habitado por vampiros, bruxas e espíritos. Figuras que não surgem como manifestações sobrenaturais, mas através de seres reais que encarnam o terror do período retratado – caso da “Bruxa” ou “Coruja”, representada na personagem da mulher que teve marido e filho mortos pelos milicianos e que vaga desolada pelas ruas do vilarejo. Essa atmosfera mística não só faz de Estação do Diabo uma produção singular na filmografia de Diaz, como ainda potencializa a força quase hipnótica de sua composição estética.

É curioso, contudo, constatar que, talvez em seu longa com maior potencial alegórico, ao menos pela quantidade de signos lançados na tela, Diaz ofereça seu discurso de denúncia mais didático, por vezes até simplista. Pois se os personagens de A Mulher Que se Foi (2016) ou Norte, O Fim da História (2013), por exemplo, se revelavam moralmente ambíguos e lidavam com dilemas complexos, aqui, ainda que a figura protagonista do poeta carregue sua culpa, a construção da dualidade “bem e mal” – os heróis e vilões – carece de nuances, esbarrando mesmo na caricatura, como no rosto desfigurado do líder militar sádico, ou no personagem de “duas faces”, que representa o presidente. Esse reducionismo, inevitavelmente, dilui um pouco do impacto da proposta de Diaz, ainda que não esvazie toda a força de seu anti-musical pitoresco, em que o arrebatamento tradicional dos movimentos coreografados dá lugar ao lamento estático e desolador da tragédia.

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é formado em Publicidade e Propaganda pelo Mackenzie – SP. Escreve sobre cinema no blog Olhares em Película (olharesempelicula.wordpress.com) e para o site Cult Cultura (cultcultura.com.br).
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Grade crítica

CríticoNota
Leonardo Ribeiro
7
Chico Fireman
6
MÉDIA
6.5

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