Crítica


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Sinopse

Em 1913, durante o declínio do Império Austro-Húngaro, Írisz retorna à Budapeste, cidade onde nasceu, depois de anos vivendo em um orfanato. Ela deseja trabalhar na loja de chapéus fundada por seus pais, que morreram num incêndio de natureza desconhecida.

Crítica

Celebrado por conta de seu longa anterior, Filho de Saul (2015) – vencedor do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro de 2016 –, o cineasta húngaro László Nemes continua demonstrando interesse por penosas jornadas solitárias com um significativo pano de fundo histórico. A trama de Entardecer se passa no ano de 1913, durante o declínio do Império Austro-Húngaro, quando a jovem Írisz (Juli Jakab) retorna à Budapeste de seu nascimento para acertar contas com o passado. É a partir dessa mulher que todo o restante se dá, inclusive com o privilégio evidente de sua perspectiva. Até mesmo, porque a câmera permanece colada em seu corpo, perscrutando diretamente gestos e semblante, deixando espaço suficiente para que, nas bordas, haja elementos contextuais sólidos a fim de substanciar a reprodução de uma época. Aliás, a direção de arte primorosa é o grande trunfo da produção, cuja ambientação rica, repleta de minúcias, chega a impressionar.

Em busca de suas raízes, Írisz pede emprego na loja de chapéus fundada por seus pais, cidadãos proeminentes que morreram num incêndio de causas não citadas. Sua disposição em, inclusive, trabalhar de graça denota a necessidade de permanência naquele espaço que, como nenhum equivalente, diz respeito à sua linhagem. O atual proprietário do empreendimento que conservou o sobrenome dela é Brill (Vlad Ivanov), sujeito de modos suspeitos, escrutinado com um latente senso de desconfiança pelo realizador que, assim, deseja suscitar questionamentos quanto à verdadeira natureza das intenções do homem de negócios. Entardecer, portanto, estabelece bases bastante sólidas para o desenvolvimento de uma jornada de autoconhecimento e descobrimento, com a protagonista juntando pedaços de ontem a fim de estabelecer um legível e satisfatório mapa familiar. Porém, decorrida essa bem-sucedida fase inicial, as coisas adquirem matizes mais obscuros.

A partir da menção da existência do até então ignorado irmão, Írisz é tragada para um torvelinho de incertezas não necessariamente bem trabalhadas no âmbito narrativo. O acúmulo de reveses e de novos componentes causa uma confusão contraproducente, abrindo gradativamente espaço para um descolamento do enredo. Tão logo pareça que o problema reside na dinâmica interna da loja erigida a cenário principal, com funcionárias se comportando de maneira dúbia e frequentes reprimendas às tentativas de acessar a verdade, surgem vieses que provocam o sobrepeso. Entardecer aponta na direção da revolução iminente, mas não a alimenta propriamente, fazendo-a refém das elucubrações de uma personagem que expressa incessantemente a sua desorientação. Ainda que diga respeito ao desenlace mantido como trunfo, os estranhamentos geram uma morosidade que extrai das passagens o seu peso dramático. O transcorrer fica desinteressante e morno.

Entardecer é um filme um tanto caótico, que não consegue demonstrar tal característica como fruto, por exemplo, de uma possível anarquia mental da protagonista. Írisz é uma personagem quase sem camadas, que desempenha a função de estopim. Pouco a pouco, sua movimentação deflagra as hipocrisias da burguesia local. Afora o fato de ter ficado órfã cedo, de aprender o ofício de chapeleira no exterior, após a vida no orfanato, e sofrer um baque ao ter ciência do parente, nada se sabe acerca dela. Tomando atitudes intempestivas, apressadamente arrependendo-se e, logo adiante, incorrendo em erros semelhantes, ela ajuda a retratar a efervescência social da turbulenta época. O roteiro deixa inúmeras pontas soltas, permitindo a existência de passagens praticamente destituídas de valor individual. O intuito, quiçá infrutífero, é sobrecarregar o conjunto com doses de instabilidade. O resultado é um amontoado de eventos esvaziados de impacto emocional, entremeados por raros pares de relevância notável. Sequer a tensa introspecção de Írisz alivia essa frouxidão.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

Grade crítica

CríticoNota
Marcelo Müller
4
Alysson Oliveira
9
MÉDIA
6.5

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