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Sinopse

Enola encara seu primeiro caso oficial como detetive: tentar encontrar uma menina desaparecida. Para ter êxito nessa missão, ela terá a ajuda dos amigos mais próximos e também do seu irmão, o famoso Sherlock Holmes.

Crítica

Millie Bobby Brown pode ser vista como a versão feminina de Noah Centineo: uma estrela da Netflix, e que, como tal, funciona apenas nesse ambiente limitado às telinhas caseiras, smartphones e computadores. Após ter surgido, ainda criança, em uma série de imenso sucesso, foi alçada à condição de protagonista em um blockbuster estrelado por lagartos e macacos gigantes, o que não causa espanto sua participação ter sido menos que discreta, para dizer o mínimo. Assim, de volta ao ambiente que lhe é confortável, encontrou sobrevida como uma hipotética irmã mais jovem do famoso detetive Sherlock Holmes em Enola Holmes (2020), lançado em plena pandemia (quando o mundo inteiro estava trancado em suas casas) e contando com uma segura coadjuvância de nomes conhecidos, como Henry Cavill, Sam Claflin e Helena Bonham Carter. Eis que a investida deu resultado, e a maior confirmação disso é este Enola Holmes 2, que basicamente recria o que havia funcionado antes, com a vantagem de não ter que perder tempo com explicações e histórias de origem. Continua tendo um público específico e repleto de recursos simplistas e facilitadores, e é justamente por ter de forma clara a quem se dirige que o efeito provocado é certeiro.

Adaptação cinematográfica da série de livros Os Mistérios de Enola Holmes, de Nancy Springer, o primeiro filme se ocupava justamente do romance de estreia, O Caso do Marquês Desaparecido. Sem inventar novas ordens ou cronologias (como aconteceu em As Crônicas de Nárnia ou em Jack Reacher ao serem transpostos para o cinema, por exemplo), esta sequência tem como ponto de partida justamente o segundo volume literário, O Caso da Senhorita Canhota (que, demonstrando de imediato uma evidente falta de criatividade, também aborda o desaparecimento de uma figura bastante procurada). Após os eventos vistos anteriormente, Enola (Bobby Brown, bastante à vontade) tratou de levar adiante sua carreira como detetive particular, mas de forma distante do irmão mais velho: enquanto a ele recorrem interessados em solucionar grandes segredos e problemas de estado, a ela chegam clientes muito mais... humildes, digamos. Isso quando não se espantam ao descobrirem estarem lidando não apenas com uma adolescente, mas, também, do sexo feminino.

Sua sorte começa a mudar (dependendo do ponto de vista, é claro), quando a pequena Bessie (Serrana Su-Ling Bliss, de Belfast, 2021) adentra pelo seu escritório improvisado. A menina tem um pedido: que a ajude a encontrar a irmã mais velha, Sarah, que há alguns dias não tem aparecido no pequeno quarto que as duas alugam. Órfãs, trabalham juntas em uma fábrica de fósforos, enquanto a mais velha fazia dupla jornada se apresentando à noite ao lado da melhor amiga, Mae (Abbie Hern, vista na última temporada de Peaky Blinders, 2022), em uma boate frequentada por desde os mais nobres até o submundo da Londres do século XIX. Enola, assim, se vê desfiada a mergulhar em um universo distante daquele que lhe é familiar, mas também não muito próximo das regras sociais e etiquetas de bom comportamento que não lhe foram ensinadas como rígidas diretrizes a serem seguidas em sua criação no interior. Sua situação ficará ainda mais complicada quando uma de suas pistas a levará a um assassinato. Ao chegar tardiamente ao local, não conseguirá impedir a morte, ao mesmo tempo em que se colocará como principal suspeita do crime. E, como consequência, em linha direta de colisão com o temido Inspetor Grail (David Thewlis, brincando com o que lhe é de praxe).

Nós temos.. história”, afirma Sherlock Holmes (Cavill, não tão tenso quanto a versão de Benedict Cumberbatch, mas longe de se mostrar tão no domínio do personagem quanto Robert Downey Jr.) ao se referir ao policial que fará de tudo para impedir os avanços das investigações da pequena Holmes. Essa referência fará a alegria dos leitores mais tradicionais, por mais que esses pouco interesse possam demonstrar pelas aventuras da caçula do famoso detetive. Da mesma forma, outras pistas espalhadas ao longo da trama podem soar relevantes aos conhecedores prévios desse universo, mas acabarão tendo efeito próximo a zero junto ao público primário na audiência. O maior exemplo disso é a ausência de clímax com que é revelada a verdadeira identidade de Moriarty, aquele que qualquer um que já tenha lido os romances escritos por Arthur Conan Doyle sabe ser o maior inimigo de Sherlock. Ao menos, o mesmo espírito de reinvenção e politicamente correto está presente na escalação da nova versão do fiel escudeiro Doutor Watson, agora interpretado por Himesh Patel (ator londrino de ascendência indiana). A combinação de mudanças de gênero, inversão de papéis e subversão das expectativas oferece ao conjunto uma leveza interessante que, se não é bastante para justificar os esforços envolvidos, também não apressa o descarte logo após ao término da fruição.

O conceito de “literatura de aeroporto” pode ser um tanto difuso, mas seus efeitos devem ser imediatos: capaz de prender a atenção enquanto dura, sem nunca ocupar os que a ela se dedicam por mais do que o necessário para a sua conclusão, muitas vezes realizada de forma prática e dinâmica. A mesma denominação pode recair à diversas das iniciativas das principais plataformas de streaming, que visam proporcionar um entretenimento de qualidade suficiente para justificar o investimento, sem, por outro lado, pesar a ponto de mais afastar (pela reflexão e respiro) do que agregar (afinal, é preciso que se mantenha a disposição para seguir em frente navegando por outras atrações). Enola Holmes 2 cumpre bem o que dela se exige, ao mesmo tempo em que Millie Bobby Brown fortalece essa relação com o espectador que lhe é familiar, tanto pela constante quebra da quarta parede (conduzida sem maiores exageros pelo diretor Harry Bradbeer, vencedor do Emmy pela série Fleabag, 2016-2019, que fez desse conceito uma febre) como por transitar com habilidade desde os momentos de ação até aqueles mais românticos, revelando uma versatilidade que até então lhe era carente. Portanto, tem-se aqui seu primeiro passo rumo a uma maturidade ainda juvenil, mas necessária para uma transição que separa as promessas das estrelas de verdade.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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