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Sinopse

Um ladrão encantador e um improvável bando de aventureiros armam um plano mirabolante para recuperar uma relíquia perdida. No entanto, as coisas complicam quando eles se deparam com as pessoas erradas.

Crítica

Baseado no famoso jogo de RPG, Dungeons & Dragons: Honra Entre Rebeldes é assumidamente uma aventura cômica. A intenção parece ser combinar sequências de ação capazes de entreter a plateia (por mais de 120 minutos) com sacadas engraçadas que mantenham a atmosfera leve. Tendo em vista essa natureza logo escancarada, podemos imaginar que nenhum personagem terá qualquer densidade psicológica e/ou emocional, que as motivações dramáticas virarão enunciados superficiais sem tantas consequências e que, no fim das contas, o importante será justamente a criação de uma jornada empolgante e divertida. Mas, tudo tem um limite. Não é por abraçar claramente um viés escapista que o roteiro a cargo de Jonathan Goldstein, John Francis Daley e Michael Gilio recebe um passe livre para transformar os personagens em cascas vazias, valiosos somente o quanto pesam as suas participações esquemáticas e previsíveis nas sucessivas missões a serem cumpridas para alcançar um grande objetivo. Infelizmente é o que acontece nessa nova tentativa de reproduzir nos cinemas o sucesso que a franquia D&D ostenta há décadas no concorrido e vasto universo dos jogos. O candidato a blockbuster é tão genérico e sem personalidade quanto os numerosos filmes anteriores com o selo D&D, a típica tranqueira de locadora (lembram delas?) por conta da qualidade bem questionável. É apenas mais caro.

O protagonista é Edgin (Chris Pine), ex-membro de uma ordem de espiões. Ele começa o longa-metragem na cadeia, argumentando com os juízes porque é merecedor de um perdão oficial extensível à sua parceira de crimes, Holga (Michelle Rodriguez). Num enorme flashback, Edgin conta o infortúnio de perder a esposa, assassinada por magos malignos, e como a necessidade financeira levou à contravenção e a vontade de reencontrar o grande amor de sua vida o direcionou a um roubo malfadado que, por sua vez, o colocou no colo das autoridades. Mesmo numa produção escapista, espera-se a partir disso que Edgin seja visto minimamente como um sujeito afetado pela tristeza em busca de uma redenção purificadora. Mas, não é isso o que acontece. Os cineastas John Francis Daley e Jonathan Goldstein não enfatizam minimamente esses traços do personagem – exatamente aqueles que definiriam a sua jornada pessoal – em função do protagonismo de uma ação sem maiores impactos dramáticos. E isso acontece com todos os coadjuvantes dessa caminhada rumo ao confronto final, antecedido de várias pequenas aventuras intermediárias. A carência afetiva de Holga, a falta de confiança de Simon (Justice Smith) e o ímpeto revolucionário de Doris (Sophia Lillis) esvanecem ao longo da trama por falta de abordagem. As pessoas são apresentadas, seus passados e motivações vêm à tona nessa fase de aclimatação, e depois nada disso tem muita importância à investidura de cada um na missão.

O principal problema relacionado ao desenvolvimento de Dungeons & Dragons: Honra Entre Rebeldes é a utilização desavergonhada de coincidências sempre que a jornada do time de desajustados parece chegar a um lugar sem saída depois das encruzilhadas. Uma que outra eventualidade não seria algo problemático, mas há tantas conveniências no desenrolar da trama que podemos tranquilamente tachar o seu trajeto de preguiçoso. O trio de roteiristas não parece preocupado em criar sinuosidades, contratempos e barreiras com real capacidade de inviabilizar a missão dos personagens que lutam contra um tirano conhecido – aliás, vivido muito bem por Hugh Grant, ainda que num registro histriônico que ele tem repetindo com frequência. As dúvidas duram pouco, como quando a menção a uma magia enigmática é conveniente pelo conhecimento prévio dela; os empecilhos são rapidamente resolvidos, como depois de a ponte cair e um artefato mágico surgir milagrosamente para resolver o problema; as ignorâncias quanto a povos, conexões e relações são logo anuladas, como quando o personagem de Regé-Jean Page surge em cena com todas as respostas oportunamente levando ao avanço. O acúmulo disso nos leva a temer pouco pela integridade das pessoas às quais somos convidados a gostar. Trocando em miúdos: são raros os instantes em que tememos pela sobrevivência dos mocinhos.

Além de ser uma aventura bastante genérica, repleta de episódios de ação enxertados de lances engraçadinhos – e essa mistura de aventura e comédia realmente não decola –, Dungeons & Dragons: Honra Entre Rebeldes recicla modelos vistos em filmes de super-heróis recentes. Edgin é próximo, em personalidade e atitude, ao personagem de Chris Pratt nos longas dos Guardiões da Galáxia (o pateta que se vangloria da liderança antes de provar valor e revelar a sua essência). Tanto que, com relação a ele, a entrada de Regé-Jean Page serve para reproduzir a dinâmica de rivalidade entre Thor/Senhor das Estrelas nos filmes da Marvel: a dificuldade do macho alfa de lidar com a aparição de outro macho alfa que também poderia liderar o bando. Além disso, a druidesa mal aproveitada de Sophia Lillis tem cabelo e figurino similares aos da Viúva Negra e, assim como a super-heroína oriunda dos quadrinhos, serve apenas como instrumento em certas missões. Já a riqueza desse mundo imaginário que abriga criaturas fantásticas, centenas de espécies dotadas de razão, monstros, magos, elfos e humanos encarregados de salvar o mundo simplesmente não é explorada. Cada tomada de um cenário suntuoso serve tão e somente para encher os olhos, nada mais do que isso. Para finalizar, a motivação do vilão não poderia ser mais desprovida de importância, assim acompanhando a displicência vista ao longo dessa produção cujo título brasileiro traz a palavra “rebeldes” para substituir a expressão “ladrões” do original.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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